UM NATAL MÁGICO


Camila observava a paisagem, através dos vidros embaciados. O céu cinzentão, as árvores curvando-se ao sabor do vento, que soprava forte, a chuva miudinha. Sentia-se deprimida e aquela visão, fria e desolada, não ajudava nada.
O Natal perdera a magia, pensava ela com nostalgia. Dantes, tudo era festa e excitação. A reunião da família, na velha  casa da avó Eduarda. As correrias e brincadeiras com os primos. O grande pinheiro iluminado, enfeitado com bolas e fitas. O fantástico presépio, com musgo verdadeiro, em cima da lareira, encimado por uma grande estrela.
A grande mesa, da casa de jantar, posta a preceito, com as porcelanas das festas, talheres de prata e copos de cristal. 
Era de facto uma festa. À mesa, em grande algazarra, todos queriam contar as últimas novidades. Espalhados por vários pontos do país e também no estrangeiro, os sete irmãos tinham poucas ocasiões em que lhes era possível estar todos juntos. Mas, o regresso à casa materna, pelo Natal, era uma coisa sagrada.
Perto da meia-noite, a família saía toda de casa para ir à Missa do Galo, mesmo nas mais gélidas noites de Natal. As crianças, vestidas a rigor, protegidas por gorros, luvas e casacos quentinhos, seguiam à frente, entre gargalhadas e brincadeiras, vigiadas à distância pelo olhar protetor da avó.
Depois, depois, era o regresso a casa em grande excitação, com a antecipação da abertura das prendas de Natal.
Finalmente, depois de uma ceia breve, todos se dirigiam à sala grande. Distribuídas em múltiplas pequenas pilhas, lá estavam elas, embrulhadas com papeis natalícios, enfeitadas com laços multicolores. 
Entre exclamações e risos, todos abriam as prendas. Cruzando a grande sala em beijos e abraços de agradecimento.
Tarde, da noite, as crianças cambaleavam até às suas camas, entre protestos de que ainda não tinham sono, com a promessa de que, no dia seguinte, iam poder continuar a brincar com os seus novos brinquedos.
Logo que se levantavam, corriam para a sala grande, não fossem os seus tesouros ter-se evaporado durante a noite. Mas lá estava tudo ordenado e organizado por montinhos. Num monte à parte encontravam-se os papeis e fitas coloridas que avó dobrara de forma meticulosa, para serem guardados e utilizados nos próximos Natais. 
Ao almoço não podia faltar o peru e ao final da tarde todos se preparavam para voltar às suas casas, despedindo-se efusivamente, com promessas de novos e menos distanciados reencontros.
Todos partiam exceto Camila e os seus pais, pois viviam ali, na casa velha, com a avó. Tinham-se mudado para lá, depois da morte do avô. A casa era demasiado grande para ser habitada apenas pela a avó e a Josefa, a empregada. Além de que esta solução facilitava a vida aos pais. Ambos trabalham  e assim, não só  podiam ir almoçar a casa todos os dias, como não tinham que ter preocupações de horas por causa da filha. 
E, era ali, na casa velha, que Camila observava a desolada paisagem através da vidraça. Que saudades dos tempos de criança, quando todos estavam vivos e se reencontravam pelo menos uma vez por ano.
A avó Eduarda partira há muito. Dos sete irmãos apenas quatro se encontravam vivos. Os primos dividiam-se entre as suas novas famílias. Já ninguém tinham tempo, possibilidade ou interesse em ir passar o Natal na casa velha.
Camila estava só. A sua mãe fora, de todos os irmãos, a que partira mais cedo, seguida quase de imediato, pelo pai. Depois viera o divórcio e ela passara a viver sozinha com os filhos na casa velha  e, este ano, os filhos tinham ido passar o Natal com o pai.
Claro que recebera convites dos primos e de alguns amigos para ir passar a consoada com eles, mas foi inventado desculpas e recusando todos os convites, não lhe apetecia aparecer na casa dos outros. Lembrava-lhe aquelas primas afastadas, solteironas que, por não terem mais lado nenhum para onde ir,  apareciam antigamente nos Natais da avó, quase por favor, apenas para não ficarem sozinhas. Talvez se tivesse um irmão ou irmã a situação pudesse ser diferente, mas ser filha única tem sempre algumas desvantagens.
Esta era a primeira vez na sua vida que estaria só no Natal e isso doía-lhe, como se tivesse uma adaga espetada no coração.
Enfeitara a casa como nos tempos da avó. Pusera a mesa, a preceito, mas apenas com um lugar. Mas tudo lhe parecia sem graça, sem vida. 
Estremeceu de frio. A lenha crepitava na lareira, mas não conseguia aquecer o enorme casarão. A estrela do presépio tinha um ar mortiço e até mesmo as luzes tremeluzentes do pinheiro lhe faziam lembrar não o Natal, mas sim ambulâncias e carros de polícia em marcha de urgência.
Lá fora escurecia, cada vez mais, com a aproximação da noite. Estava na altura de ir preparar o bacalhau para o seu jantar. Não quisera quebrar a tradição, mas decidiu que embora tivesse posto a mesa na sala de jantar, onde não faltavam as azevias e as broas. não iria comer lá. Esta não estava aquecida e a mesa enorme e vazia ainda lhe daria uma maior sensação de solidão.
Subitamente, julgou ouvir um ruído. Pôs-se à escuta. 
Não, não podia ser. Estava a ouvir vozes e os sons característicos dos dias de festa, numa casa cheia de gente.
Pensou, que a cabeça lhe estava a pregar uma partida e desta vez sentiu um arrepio, não de frio, mas de medo. Por mais que tentasse encontrar explicação para as vozes, não conseguia encontrá-la. A rua estava deserta. As casa ao lado, ambas tinham jardins a separá-as da dela e, foi confirmar, também não se encontrava lá ninguém. 
Os sons que lhe chegavam pareciam ser provenientes da casa de jantar e da cozinha. Saiu da sala e viu que a casa de jantar estava iluminada. Arrepiou-se, pensando que poderia ser um incêndio e que confundira o som do mobiliário a arder com o som de conversas.
Ficou parada ali, no meio do corredor, sem saber o que fazer. Depois, a medo, foi pé ante pé até à casa de jantar. Os seus olhos quase lhe saiam das órbitas. Estavam todos à mesa. Os avós, os seus pais, os tios e todos os primos. Apenas o seu lugar se encontrava vazio. 
Ficou imóvel, junto à porta, tentando encontrar uma explicação para o que via. Então, fez-se um grande silêncio que foi interrompido pela voz grave do avô: - Então Quinhas, este era o diminutivo carinhoso com que o avô a costumava tratar, estás à espera de quê para te juntares a nós. Vá, anda, vamos começar a jantar.
Camila sentou-se e Josefa aproximou-se, com a grande terrina fumegante, para lhe servir a sopa. Camila sentia-se radiante de felicidade. Todos juntos. Outra vez, todos juntos.
Pegou desastradamente na colher, para comer a sopa, e esta escapou-se-lhe da mão, indo cair com um ruído estridente em cima do prato e dos outros talheres.
Camila estremeceu, de novo o som estridente se fizera ouvir. Endireitou-se no sofá, ainda sonolenta, procurando perceber que ruído fora aquele que a tinha acordado. Tremia de frio. Adormecera no sofá, em frente à lareira e esta estava agora quase apagada. A sala encontrava-se na penumbra, apenas iluminada pelas brasas moribundas da lareira e pelas luzes da árvore de Natal.
Lá estava ele, novamente, o som estridente, agora perfeitamente identificável. Estavam a tocar à campainha. Levantou-se a custo, estava dormente e gelada, intrigada com quem lhe estaria a bater à porta naquela triste noite de Natal.
Os olhos marejaram-se de lágrimas. Na rua olhando-a tiritantes de frio, mas com sorrisos radiosos estampados na cara, estavam os seus filhos. Surpresa, gritaram em uníssono. Incapaz de dizer palavra, abraçou-os, puxando-os para dentro, sempre com os olhos postos em Paulo, o seu ex-marido.
- Entra, deves estar gelado. - disse-lhe. 
Paulo roçou-lhe ao de leve na cara, com a sua face bem barbeada, para a cumprimentar, fazendo-a retroceder no tempo. Conhecia perfeitamente o cheiro daquela colónia, o toque daquela pele.
Decidimos que não tinha graça nenhuma passares aqui o Natal sozinha. Espero que não te importes com esta invasão. - disse ele, enquanto transportava as malas para dentro de casa.
Camila não respondeu. Em vez disso, ajudou-o a levar as malas para os quartos. O nó que se lhe formara na garganta impedia-a de falar.
Por fim, quando ficou mais refeita. Camila exclamou preocupada: - Mas, eu não tenho nada para lhes dar de jantar. Se tivessem avisado...
Não te preocupes, interrompeu-a Paulo, eu tratei de tudo.
Menos de um minuto depois, a campainha voltou a atroar os ares. Paulo afastou-se para a deixar passar e ela abriu a porta, julgando tratar-se de alguém que vinha entregar a comida.
Mas, desta vez, o seu espanto foi total. Nada na vida a tinha preparado para semelhante visão. Bem na sua frente estavam o tio António e a mulher, a tia Isabel e o marido e a tia Lili, bem como sete dos seu primos, com os respectivos maridos, mulheres e filhos.
Viemos invadir a tua casa. Tínhamos saudades  enormes de passar o Natal na casa da avó. Portanto, mesmo que te importes, agora já nada podes fazer. - disse Mariana, a sua prima mais querida e atrevida.
Camila olhava-os maravilhada, ao mesmo tempo que sentia a respiração quente Paulo junto ao seu pescoço e todos os contornos do seu corpo que se encontrava colado ao dela.
Com alguma pena, Camila afastou-se de Paulo para ir abraçar todos aqueles inesperados convivas.

A mesa estava linda, repleta com os manjares trazidos por todos e completamente cheia. A algazarra era enorme. Todos queriam contar novidades. Afinal, não era todos os dias que tinham oportunidade de estar todos juntos.
Camila sentiu a mão de Paulo segurar a sua. Ficou quieta. não sabia bem o que pensar, nem o que fazer. Depois virou-se para ele que, olhando-a com carinho, sussurrou: - Podemos tentar de novo, Quinhas?
Ela baixou os olhos, inquieta, mas  a utilização daquele diminutivo carinhoso, depois daquele sonho premonitório, ajudou-a a tomar uma decisão. 
Um sorriso enorme iluminou-lhe o rosto. Afinal, o Natal não perdera a Magia

... /...

Um Natal Mágico e um Novo Ano Fantástico para todos que me visitam.


Comentários

  1. Querida Teresa, irmiga_maada:
    Não podia deixar terminar o ano sem dar uma passadinha aqui com meus votos de um natal abençoado, repleto de paz, LUZ e amor para vc e seus amaaados. Que 2016 se faça leve e feliz! Beijuuss

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vou adorar ler os seus comentários....
Concorde, discorde, dê a sua opinião...
Volte sempre.
Bem-haja pela sua visita