ABRIL


O que aprendi com Abril
  • Aprendi que há "amizades" que não resistem a mudanças políticas ou outras;
  • Aprendi que palavras como Igualdade, Solidariedade ou Justiça se podem relativizar e, também, servir, muitas vezes, para travestir outras menos simpáticas, tais como, ganância, traição, oportunismo, inveja, maldade;
  • Aprendi que, para alguns, a hipocrisia é um modo de vida e não importa o quê ou a quem se usa, quando se trata dos seus interesses políticos, económicos, profissionais ou sociais;
  • Aprendi a diferença colossal entre humildade e subserviência;
  • Aprendi que a Verdade, afinal, também é uma coisa relativa e pode  variar de acordo com as conveniências do momento e, para muitos, ela não tem qualquer interesse ou pode mesmo ser deveras incomodativa, caso contrarie ou torne incoerentes as suas posturas ou tomadas de posição;
  • Aprendi que se pode usar o nome do Povo, da mesma forma como tantas vezes usamos o nome de Deus, ou seja, em vão;


O que consolidei com Abril

  • A personalidade;
  • A certeza de que me manteria igual a mim própria, quaisquer que fossem as circunstâncias em que me encontrasse;
  • A certeza de que não me subjugaria a ninguém, nem mesmo aos meus grupos de referência, e não colaboraria, nem me calaria perante injustiças ou humilhações;
  • A certeza de que não abdicaria da minha verticalidade, frontalidade, honestidade, integridade, solidariedade e dignidade, ainda que essa postura fosse contrária aos meus interesses ou ambições;
  • A determinação de comunicar  sempre "olhos nos olhos", mantendo-me fiel aos meus princípios e valores fundamentais.

O que perdi em Abril

  • A ingenuidade;
  • A inocência;
  • A crença na bondade, como característica intrínseca do homem.

O que ganhei em Abril


  • O direito a dizer o que penso, o qual, até aí, não tinha a consciência de não ter;
  • A consciência do papel da mulher no Mundo e das injustiças, violências e desigualdades de que foi alvo, ao longo dos séculos;
  • O direito a escolher os governantes do meu país e a lutar e reivindicar os meus direitos;
  • A consciência do verdadeiro significado das palavras liberdade e democracia;
  • A consciência de que a cada direito corresponde um dever;
  • A consciência de que a minha liberdade termina no exato local em que começa a dos outros;
  • A consciência de que o respeito pelos outros e a responsabilidade individual são a garantia sine qua non da democracia e da liberdade.

A Revolução do 25 de Abril, ou Revolução dos Cravos, aconteceu em Portugal, em 1974, tinha eu 13 anos e alguns meses.
A Revolução, em si mesma, foi quase completamente pacífica, mas os meses que se lhe seguiram já não o foram tanto.
Quem, como eu, observou a sua evolução, a partir do Alentejo, guarda muitas memórias deste período instável, muitas das quais não são agradáveis, nem abonam a favor do respeito pela liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana, por parte de muitos daqueles que apregoavam defender exatamente esses valores.
Passaram já mais de 40 anos sobre esse dia de Abril. Nem sempre o percurso tem sido linear e nem sempre as coisas têm corrido de feição para Portugal e para os portugueses.
A humanidade vive a eterna dicotomia entre o bem e o mal e, infelizmente, muitas das vezes não é a melhor que sai vencedora, nem em Portugal, nem em qualquer outra parte do Mundo.
Muitos servem-se do poder, político ou económico, de populismos ou de utopias em seu próprio proveito, aproveitando-se da credulidade, da indiferença, da ignorância, da insatisfação, das frustrações, da ganância ou da irracionalidade das massas.
A corrupção e a falta de valores parece ter-se tornando uma constante, nas últimas décadas, os quais, em conjunto com a fixação no próprio umbigo, ou egoísmo social, são os piores inimigos  dessa mesma democracia.
No entanto, a Democracia é, até hoje, o sistema político mais justo, criado pelos homens. E, ainda que seja um sistema profundamente frágil e facilmente adulterado ou usado de forma abusiva ou mesmo criminosa. é, por enquanto, o único sistema que tem por base o respeito pela dignidade dos homens e que garante a liberdade e a igualdade como direitos fundamentais da humanidade.
Não festejo Abril com cravos. Nem sempre a revolução foi justa ou pacífica. 
Mas festejo-o com esperança de que, algum dia, a Democracia, a Liberdade, a Igualdade, a Dignidade da Pessoa Humana e o Respeito pelo Outro e pela Diferença ganhem verdadeira Vida e se materializem completa e inequivocamente, deixando de ser, apenas, palavras bonitas para discursos ou para ser escritas em declarações de princípios.



Comentários