MOTE

Pai - 1925 
Se fosse vivo, o meu Pai faria 98 anos, no próximo dia 15 de janeiro. 
Escrevo, com frequência, acerca do meu Pai e outros familiares próximos, enaltecendo as suas qualidades, enquanto seres humanos, o que, para quem não os conheceu ou às suas histórias de vida, pode ser considerado como uma certa fanfarronice ou arrogância da minha parte.
Mas, na verdade, tive a sorte e a honra de ter nascido numa família de extraordinários seres humanos e esse facto se, por um lado, me enche de orgulho, por outro, responsabiliza-me e "obriga-me" a que tente ser a melhor versão de mim própria, em todos os dias da minha vida.
O meu Pai era um homem bom e de muitos amores, de diferentes naturezas. O maior deles era, certamente, a minha Mãe, mas também o eram as filhas, a família, os amigos, a terra, os cavalos. Todos tinham o seu espaço próprio e para todos tinha tempo, espaço e total dedicação.
Os seus dias eram passados no campo, cuidando das terras (propriedades agrícolas), as suas e as das suas irmãs e prima.
Incansável, de uma honestidade ímpar e com um profundo respeito pela terra e pela natureza, não trocaria jamais o bem-estar e são desenvolvimento dos animais, culturas ou floresta, pelo lucro fácil.
Pai e Racu

Ilustrativa das suas qualidades, enquanto ser humano e agricultor, amante da terra, é esta pequena história, passada nos "anos quentes" da década de setenta, que ora me apraz contar.
O Alentejo, do pós 25 de Abril, não era um lugar "fácil", particularmente para os agricultores.
O meu Pai tinha vários funcionários efetivos, entre os quais se encontrava o protagonista destes acontecimentos.
Este homem, que já trabalhava na casa há vários anos, não era conhecido pelo seu bom temperamento, o qual pareceu agudizar-se bastante depois da revolução. Para além de que não era invulgar que abandonasse o seu posto de trabalho, quando tinha oportunidade de se dedicar a trabalhos sazonais, mais apelativos financeiramente, ficando o meu Pai com menos um trabalhador, exatamente na altura  de maior atividade agrícola.
Certo dia, quando o meu Pai se encontrava a distribuir os trabalhos, ou talvez a pagar os ordenados, o homem, sem que se saiba bem porquê, avançou para o meu Pai, de faca em riste, e ameaçou-o de morte. Valeram-lhe os outros funcionários que impediram o homem de concretizar o seu objetivo.
Nesses tempos, seria impensável o meu Pai despedi-lo com justa causa ou mesmo apresentar queixa às autoridades. Eram os "anos quentes". Pelo que o homem se manteve ao serviço, após esta macabra situação.
Algum tempo depois, um outro trabalhador dirigiu-se ao meu Pai, pouco à vontade, e informou-o de que o A...(o protagonista) estava com um problema grave. A bomba da água tinha-se avariado e ele iria perder o seu laranjal se não conseguisse encontrar uma solução.
Quase sem hesitar, o meu Pai respondeu-lhe: - Ele que leve a bomba de reserva.
Um dos grandes problemas da agricultura, no Alentejo, hoje parcialmente resolvido pela construção de várias barragens, é a falta de água. Na verdade, ela está lá, mas no subsolo, por vezes, a muitos metros de profundidade. Daí a necessidade de  todos os agricultores, grandes ou pequenos, terem furos e bombas para puxarem a água. 
O meu Pai tinha duas bombas, uma de reserva caso a outra se avariasse. O A.... que também tinha uma terra a que chamava sua, tinha apenas uma bomba, pelo que, com esta avariada, muito provavelmente o seu laranjal não sobreviveria ou, no mínimo, perderia toda a laranja daquele ano.
O meu Pai não hesitou. Preferiu, relevando o facto daquele homem o ter tentado matar, salvar o laranjal, a colheita daquele ano e potencial lucro do A...
Pai e os Tiradores de Cortiça
Nas recentes desarrumações e arrumações que fiz na minha Casa, no Alentejo, eu e a minha Mãe demos volta à muita papelada lá existente.
E, foi nesse triar de que papeis se guardam ou se deitam fora, que nos deparámos com uma folha de um velho caderno, já amarelada e danificada, onde se encontrava uma espécie de poesia, escrita numa caligrafia pouco elaborada e com grande quantidade de erros ortográficos.
Lemos e relemos aquelas palavras singelas, mas tão verdadeiras, com emoção e gratidão.
Reproduzo aqui a cópia do nosso achado, de que nenhuma de nós tinha qualquer conhecimento. 
Esta é, provavelmente, a maior, mais sincera e extraordinária homenagem que alguém fez ao meu Pai. - Bem melhor do que as minhas, estas palavras revelam a grandeza do ser humano que era o meu Pai. - Será por nós preservada, para sempre, no seu original, como coisa de inestimável valor que é.
Este é o Homem de que lhes tenho falado... O meu Pai








Creio que estas palavras terão sido ditadas por um Pai ou Avô, provavelmente analfabeto, pois a assinatura e o texto não são coincidentes. Possivelmente o autor só saberia assinar, mas o valor desta poesia não está no aspeto, na letra elaborada ou na correção ortográfica ou gramatical. Como em todas as outras coisas na vida, o valor está no conteúdo e no significado.
Bem-haja, Manuel Rodrigues. Ser-lhe-ei eternamente Grata.

Pai - 1980
Em jeito de cumprimento e despedida

Uma ida à praia - Família e Amigos - ao todo seríamos uns 20. O normal para nós, nesse tempo.

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