Tartufices

Sinto o sussurro das folhas,
Que se agitam, apaixonadas,
À passagem do volúvel vento.

Sou tronco robusto ou frágil
De centenárias ou jovens árvores
E a minha verde copa estremece
Num frémito emocionado.

Sou erva, fresca e verde
Copiosamente regada
Pelo choro das nuvens efémeras
Que enfeitam o céu.

Sou colorida flor
Seara dourada
Balido de borrego recém-nascido
Relincho alegre de cavalo em liberdade.

Sou faval prenhe 
Sou água viva
Que rega a horta
E o laranjal.

No leito duro, áspero e quente da eira,
Olho o infinito céu,
Morada das estrelas,
Nos finais de tarde de verão.

Desperto do sonho da infância
Para a acrobática juventude
E, subitamente,
Atravesso décadas num turbilhão.

Qual Moliérè,
Olho a vida com pragmatismo
E ironia cortante.
Tartufos são aos milhares
Viva o reino da hipocrisia.

Gente que diz amar a terra,
Mas nunca foi tronco de árvore 
Nem seara, nem balido de cordeiro recém-nascido,
Nem água que dá vida à horta.

Nem sabe que a eira é quente
Nos finais de dia de verão.
Nem que as estrelas dançam no céu
Brilhando na escuridão.

Gente que não entende o sussurro das folhas
Nem as paixões que o estouvado vento desperta.
Nem sente a cor das frágeis mas corajosas flores.
Nem muito menos entende que a erva fresca é vida
Que se dá em alimento.

Gente que grita "o povo"
Mas não sentiu os seus braços
Fortes, doridos, cansados.
Nem a sua pele crestada
Pelo sol inclemente,
Pelo frio cortante.

Gente que apregoa liberdade,
Mas nunca foi relincho,
Vive presa no aparente.
Gente que quer ter.
Ter poder, ter riqueza
Ser importante, ser falada.

Gente sem humildade
Vivendo de falsidade,
Tentando negociar
A própria mortalidade.


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