O Pêssego

Corria o ano de 1960, toda a família aguardava, expectante, o nascimento de mais um bebé. 

Seria agora que iria nascer o tão ansiado menino!?

O Verão chegou, trazendo consigo os longos dias, o calor e a brisa suave, como uma carícia. Minha Mãe viajou para Lisboa, para casa de uns amigos. Afinal, naqueles tempos, e mesmo agora, havia muito mais recursos nas cidades, particularmente na capital. 

Os dias escorriam lentos, preguiçosos e eu parecia não ter pressa de nascer. Por fim, dia 4 de Agosto, minha Mãe apercebeu-se de que tinha chegado a hora de ir para a Clínica. 

Todos os quartos estavam ocupados, pelo que a colocaram logo na sala de partos. As horas passaram lentas, dolorosas, chegou a noite e a espera tornou-se mais solitária e densa. 

O dia começou a clarear e, finalmente, eu tornei-me apressada. Nasci. 

Desilusão. Afinal, não era o desejado menino, mas, sim, mais uma menina, para fazer companhia à mana mais velha, e minha Mãe, seria, pouco depois, desaconselhada de ter mais filhos. 

Bem, talvez na esperança de que os seus desejos, especialmente os do meu Pai, se realizassem, ninguém tinha escolhido um nome de menina para o bebé. 

O de menino estava, desde sempre, escolhido, iria ser a quarta geração de “José Agostinho” na família.

Durante os dias que a minha Mãe permaneceu na Clínica, ninguém pensou em nomes para a bebé. De regresso a casa, não à casa da vila, mas à do monte, onde meus pais passavam grande parte do ano, para que o meu Pai pudesse estar perto das suas atividades agrícolas e, também, porque lhes dava enorme prazer viver ali, no campo, no meio da natureza, a família parecia estar desprovida de ideias, pelo que ninguém sugeria nenhum nome para mim. 

Assim, devido à maciez da minha pele,  começaram a chamar-me Pêssego.

Por cerca de quinze dias fui Pêssego e todos pareciam felizes com isso. Mas, por fim, o meu Pai impôs-se. Tinha que se escolher um nome para a criança ou seria Pêssego a vida inteira. 

 O meu Avô, materno, o único que conheci, apressou-se a apresentar as suas sugestões. 

Naquele tempo, não era habitual tratar ou chamar príncipes ou princesas aos filhos, eram apenas bebés ou crianças e tratados como tal. 

Mas, por vezes, eram dados aos bebés nomes de príncipes, de princesas ou de grandes guerreiros, aventureiros ou filósofos. E as sugestões de meu Avô foram as seguintes: Bataça ou Urraca. 

Os meus pais ficaram siderados. Antes Pêssego que tão bizarros nomes. 

Agora, sim, era urgente escolher um nome para a criança. Por mais importantes que estas personagens tivessem sido, não se podia permitir que a pobre criança carregasse um tal fardo para o resto da vida. 

Mas, afinal, quem tinham sido a D. Bataça e a D. Urraca? 

Ambas têm relação com a minha terra, Santiago do Cacém, e com a Ordem de Santiago, uma Ordem militar e religiosa, de origem castelhano-leonesa, também existente em Portugal, desde o tempo de D. Afonso Henriques, a qual possuía terras em vários lugares do país, particularmente no Alentejo e Algarve, sendo um desses locais a minha terra. 

 BATAÇA

Dona Vataça de Lascaris, também conhecida por Betaça ou Bataça, foi uma senhora com origem linhagística, por sua mãe, a Princesa Eudoxia Lascaris, na casa imperial dos Lascaris Vatatzes Komnenos, imperadores de Bizâncio-Niceia; e descendia por seu pai, Conde Guilherme Pedro, dos Condes de Ventimiglia, do norte da Itália.  

Vataça terá nascido cerca de 1270. Após a morte de seu pai, o Conde Guilherme Pedro, Dona Vataça foi, com sua mãe e sua irmã, para Aragão.    

Dona Vataça veio para Portugal em 1282, no séquito da princesa Isabel de Aragão, que casara com o Rei D. Dinis e se tornara, dessa forma, Rainha de Portugal. 

D. Vataça casou em Portugal, em 1285, com Martim Anes de Soverosa, um membro da família dos Soverosa, bastante mais velho do que ela, e de quem enviuvou, em 1295. 

 Em 1302, D. Vataça foi para Castela, onde viveu vários anos, pois acompanhou a infanta D. Constança de Portugal, filha de D. Dinis e de D. Isabel, que nesse ano se casou com o rei Fernando IV de Leão e Castela.  

Do rei Fernando IV recebeu D. Vataça, em diferentes momentos do reinado, algumas doações em recompensa dos seus serviços, quer junto da rainha D. Constança, quer junto dos filhos de ambos.

 Anos mais tarde, em 1317, já depois do falecimento de D. Constança, D. Vataça acabou regressando a Portugal, para o período final da sua existência.  

Durante estas quase duas décadas, entre 1317 e 1336, em Portugal, ela foi Senhora de Santiago do Cacém, mercê de um escambo (troca) que efetuou com a Ordem de Santiago. 

 A memória desta senhora perdura ainda hoje na região do Alentejo litoral, entre outras formas, em pequenos topónimos, e principalmente através da existência de relíquias de santos que, tradicionalmente, são atribuídas às doações da mesma Dona Vataça a algumas Igrejas da região, nomeadamente às povoações de Santiago do Cacém, Sines, Panoias e Castro Verde.  

No final da sua vida fez testamento, e terminou os seus dias em Coimbra, na mesma Cidade onde ficou sepultada a sua amiga e parente, Rainha Santa Isabel de Aragão, mas enquanto a rainha ficou sepultada em Santa Clara, a sua dama-de-honor D. Vataça Lascaris teve o seu lugar de repouso na Sé Velha, numa sepultura ornada com a representação heráldica dos Lascaris, a águia bicéfala. 


URRACA

Urraca de Portugal (Coimbra, 1148 ou 50 — Valladolid, 1211 ou depois) foi uma infanta portuguesa e Rainha de Leão. Era filha do Rei Afonso I de Portugal e de sua esposa a Rainha Mafalda de Saboia.

 Urraca casou-se em maio ou junho de 1165, com 15 anos de idade, com o Rei Fernando II de Leão, com 28 anos, filho do Rei Afonso VII de Leão e Berengária de Barcelona, e seu primo em segundo grau, já que os seus pais, Afonso I Henriques e Afonso VII, respetivamente, eram primos direitos e as suas avós paternas, Teresa de Leão e Urraca de Leão, meias-irmãs.

Em 1175, o casamento de Urraca e Fernando foi anulado pelo Papa Alexandre III, e os nubentes foram forçados a separar-se. 

Esta anulação deveu-se à proximidade de parentesco entre o casal (quarto grau no direito canónico). Afinal de contas, Fernando e Urraca eram primos segundos, e a restrição matrimonial situava-se no sétimo grau. 

Após ter o casamento anulado, Urraca tornou-se freira, na Ordem de São João de Jerusalém, e passou a viver na região de Zamora, dada pelo esposo aquando do casamento de ambos. 

Retirar-se-ia mais tarde para o Mosteiro de Santa Maria, em Vamba, Valladolid, e que pertencia a essa ordem religiosa. 

Em 1188, o seu ex-marido, Fernando, falece, e é sucedido pelo filho de Urraca, Afonso. 

Geralmente filhos concebidos de uniões dissolvidas tornavam-se ilegítimos e portanto incapazes de suceder no trono, mas o Papa terá sido condescendente quanto à legitimidade deste filho. 

Urraca assistiu à coroação do seu filho Afonso como Afonso IX de Leão, e a 4 de maio já confirmavam juntos os privilégios concedidos pelo defunto rei à Ordem de Santiago. 

Isto poderia provar o seu regresso à corte, após anos afastada pela dissolução do seu matrimónio. 

.../...

Felizmente, alguém se lembrou, julgo que a minha Mãe, que Teresa era um nome bonito e, como era costume nesses tempos, antes do Teresa não podia faltar o Maria. 

Foi assim que me livrei de ser um fruto, de que muito gosto, ou uma Rainha/freira, ou uma Dama da Corte, de origem Bizantina. 

Temos que agradecer estas pequenas graças, pois entre Pêssego, Bataça e Urraca não sei qual deles me teria dado mais dissabores na escola.

Comentários