Ainda sobre Amor


Ainda falando acerca do Amor, esse incontornável sentimento que nos faz revelar, desabrochar e  sem o qual a vida não tem sentido.

Noutro dia, numa conversa com um jovem amigo, acabámos por, inevitavelmente, falar do amor, esse sentimento omnipresente que, quer pela sua presença, quer pela sua ausência, acaba por determinar o sentido da nossa vida.
Dizia eu, nessa conversa foi-me posta uma questão que calou a minha habitual verbosidade. Não pensem que era uma questão transcendente. Foi talvez a forma e o sentido com que foi colocada a questão:
Afinal, o que é para si o amor?
De repente, todos aqueles lugares comuns, que usamos para definir o amor, deixaram de fazer sentido (são sempre os mais jovens que nos colocam as questões mais difíceis).
Tentei, da melhor forma que pude e soube, responder à questão, refugiando-me no amor pelos filhos, que é aquele amor incondicional, inexplicável e do qual, por mais extraordinárias que as circunstâncias sejam, nunca nos conseguimos libertar.
No entanto, a pergunta exigia uma resposta mais diretamente relacionada com afetos menos pacíficos. Até porque, na sequência dessa questão, seguiram-se outras, como se, subitamente, tivesse ficado sob o fogo cerrado de uma arma de repetição.
Porque é que não podemos simplesmente amar toda a gente e distribuir abraços pelas pessoas que encontramos no café, na rua ou noutro lugar qualquer e, em vez disso, nos envolvemos em situações dolorosas e “perigosas” em que nos sentimos como que embriagados, com dificuldade de pensar e agir corretamente? 
Porque é que tem que haver o ciúme, a insegurança, a posse, as concessões e outros sentimentos dolorosos associados às relações amorosas?
Porque é que tem que haver o casamento, ou similar, se, maioritariamente, esses relacionamentos acabam por terminar mal ou pelo menos tornam-se insatisfatórios?
Porque é que esses relacionamentos se baseiam, à partida, numa premissa de fidelidade, se a maior parte das pessoas acaba por a não conseguir cumprir ou, pelo menos, sente muitas vezes a tentação de a infringir?
As perguntas eram muitas. Não eram de resposta fácil e o meu interlocutor não se satisfazia com respostas baseadas em lugares comuns.
Abreviando, respondi-lhe que:
  • O amor é uma dádiva, acontece que quem dá essa dádiva, também necessita de a receber.
  • O amor, mesmo que dure apenas uns dias, enquanto existe e nos faz sentir plenos, é a melhor coisa que nos pode acontecer na vida.
  • O amor não tem que ser apenas direcionado para uma única pessoa, pois, para além dos múltiplos afetos que temos (variantes do amor), pelos nossos filhos, pais e outros familiares ou amigos, existem pessoas, mais raras, que se dedicam de forma total, abnegada e apaixonada aos outros ou a determinadas causas, mas, também estes não estão isentos do sofrimento causado pelo amor.
  • Claro que podemos distribuir abraços por toda a gente e isso pode fazer-nos sentir muito felizes, mas, como dizia o outro, isso não é a mesma coisa.
  • Para amarmos totalmente, temos que abrir completamente as portas do nosso coração, ao fazê-lo, estamos, também, a aceitar qualquer tipo de sofrimento que daí advenha. Contudo, quando temos medo de abrir completamente as portas do nosso coração, não quer dizer que tenhamos menos sofrimento, pois, na verdade, sentimo-nos mal-amados, não nos conseguimos sentir felizes, satisfeitos ou realizados. Só o amor consegue dar-nos a sensação da plenitude, por consequência, se não amarmos, vivemos uma vida segura mas insípida e insatisfatória.
  • A embriagues do amor é, tão-somente, a paixão, esse sentimento arrebatador que faz o coração bater mais forte, nos torna audaciosos, tolos e impulsivos, capazes de defrontar todas as convenções. A paixão está associada à fase inicial do amor, pode, ou não, transformar-se em amor e torna-se ainda mais violenta quando se trata de amores contrariados ou proibidos, vai perdendo a força à medida que a rotina se instala.
  • O ciúme resulta da insegurança do próprio ou é consequência do comportamento do outro.
  • A infidelidade é relativamente comum, mas não depende sempre dos mesmos fatores.  Existem pessoas que, por inseguranças pessoais diversas, têm muita dificuldade em se manterem fiéis. Quanto às outras, podem ser infiéis, ou ter a tentação de o ser, pelos mais variados motivos, tais como, rotina  ou falta de empenho nos relacionamentos, deixarem de amar o parceiro/a, problemas diversos, alheios ao casal, que acabam por se refletir nesse relacionamento, crises interiores, inseguranças, necessidade de afirmação ou de identidade, etc, de um ou ambos os membros do casal, problemas mal resolvidos, mágoas… As razões podem ser tantas, quantas as pessoas que têm relacionamentos amorosos.
  • Relativamente ao sentimento de posse, de alguma forma, todos nós, contrariamente à própria definição do amor, temos tendência para nos tentarmos apropriar do outro como se ele/a fosse uma coisa nossa. É difícil lutar contra esse sentimento, mas, muitas vezes, é exatamente essa tentativa de posse do outro que conduz aos problemas e à infidelidade.
Desde há muito que a sociedade ocidental considera que as uniões devem ser, tanto quanto possível, para toda a vida, mas, aparentemente, há uma larga maioria de pessoas que tem grande dificuldade em manter um relacionamento, pelo menos um bom relacionamento, durante a vida inteira.
Não sei se o caráter monogâmico das relações amorosas é uma característica do género humano, ou, pelo contrário, é uma imposição feita pela sociedade, mas contrária á natureza humana, originada, principalmente, pela moral judaico-cristã,  se é uma  grande misturada. Sei, contudo, que existiram, existem e hão-de existir muitos casais felizes uma vida inteira. Sei que quando amamos alguém não nos apetece, mesmo nada, partilhá-lo/a.
A propósito disto lembrei-me de, há muitos anos atrás, era eu uma jovem da idade deste jovem, ter ficado absolutamente chocada quando alguém me disse que o que a unia ao marido era uma grande amizade. Na altura,  e ainda hoje, aquilo pareceu-me uma coisa muito triste e até mesmo um bocado incestuosa.
O Amor não é uma coisa fácil. A paixão dá-lhe calor e elevada intensidade. A rotina sufoca-o, bem como diferentes problemas com que nos deparamos ao longo da vida. Nada mais triste que mantermos uma relação amorosa por hábito, dependência, insegurança ou qualquer outro motivo que não seja o amor.
Não sei se consegui transmitir-lhe, afinal, o que é o amor, nem como é que sabemos que aquele/a é o/a "tal".
Quando somos colocados perante perguntas muito diretas, em que o nosso interlocutor não nos deixa escapar com subterfúgios e lugares comuns e somos, por isso mesmo, obrigados a pôr-nos a nós próprios em causa e aos valores em que afirmamos acreditar, as coisas tornam-se mais complicadas, não há respostas fáceis, nem uma receita mágica, nem certezas absolutas.
Mas espero, pelo menos, ter conseguido transmitir-lhe que o amor é a coisa mais importante e gratificante na vida, que vale sempre a pena investir nele e sofrer com e por ele, (não estou obviamente a falar de insistir em relações sem futuro, a curto, médio ou longo prazo, principalmente naquelas em que só um dos dois é que ama) que a morte do amor é uma coisa muito triste e que a vida do amor é uma coisa maravilhosa e que vale a pena arriscar tudo para o viver.
Faço-lhes por isso um desafio, que respondam, ou pelo menos que respondam a vós próprios, às seguintes questões:

Para si o que é o Amor ?

Os relacionamentos amorosos devem ser monogâmicos?

Se a traição, ou a tentação da traição, fosse cometida por si, dava-lhe o mesmo valor?

É desejável conseguir manter os nossos relacionamentos por toda a vida? A que preço? E em nome de quê?

Eu, por mim, deixo-vos com as palavras de Florbela Espanca que são, talvez, a melhor expressão da inquietação produzida pelo amor.

Amar!



Florbela Espanca


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar..








Comentários

  1. UAU!!! Nos deixou questões para respondermos fundamentais e trabalhosas...Dessa sua postagem colocou tantos itens que já escrevi lá no divã: amor incondicional, ciúmes, casamento a qq custo, companhia ou companheiro(a), amizade, almas gêmeas, enfim muita coisa amiga!!! Eu gosto de sentir esse amor simples, sem regras, sem jogos, que me aquece gratuitamente...e tento, todos os dias, fazer dele meu caminhar.
    Beijuuss n.a.

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  2. Oi Re,
    Adorei o seu comentário. Amor simples. Mas, meu Deus, às vezes é bem difícil atingir a simplicidade.

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