O Gato da Minha Prima



O Gato da minha Prima era um felino de mau feitio e personalidade forte. Convencido de que era uma pequena pantera negra, dominava a casa, fazendo dos seus donos seus súbditos temerosos, ou, melhor dizendo, apavorados.
Muitas seriam a histórias que vos poderia contar acerca deste animal feroz e selvagem, mas escolhi uma que considero particularmente ilustrativa e "aterradoramente" divertida.
Sempre que as férias se aproximavam e as idas para o Algarve começavam a ser preparadas, a minha Prima e o marido faziam um aturado planeamento do que se deveria fazer com o simpático felino. Pois o bicho, para além de não ser para graças, tinha um ódio figadal a viagens de automóvel, rugindo, qual pantera assassina, durante as cerca de 4h que, nesse tempo, se levava de Lisboa ao Algarve.
As experiências dos anos anteriores tinham sido deveras extraordinárias, quer pelas viagens, em si mesmas, acompanhadas dos rugidos do animal, quer pela guerra insana que precedia à colocação do Gato na caixa de transporte, a qual dava direito a uma luta sanguinária, repleta de esgatanhadelas e dentadas.
Naquele ano, quais pais zelosos, decidiram, a minha Prima e o marido, pedir ajuda a um Veterinário. Este, após ter sido posto ao corrente das trágicomédias que representavam as partidas e regressos de férias, aconselhou-os a que, antes de saírem de casa, ministrassem um poderoso calmante ao bichano.
Regressaram a casa confiantes. Transportavam, com reverência, nas suas mãos, a poção milagrosa que lhes iria, finalmente,  permitir partirem para férias como pessoas normais.
 Afadigados a fazerem as malas, não deram conta de que o Gato os observava, com os seus inteligentes olhos semicerrados. 
 A certa altura, acharam que chegara a altura de ministrar a milagrosa poção e, disfarçadamente, camuflaram-na no petisco mais apreciado pelo Gato.
  Este, não resistindo à tentação, devorou o petisco com voracidade e, em seguida, lambeu os bigodes com satisfação, procedendo depois, languidamente, às suas abluções tradicionais.

A minha Prima e o marido observavam o Gato, ansiosamente, aguardando o momento em que este, vencido, não se rebelasse à entrada na caixa. Mas eis que, para seu espanto e terror, o Gato se inteiriça e lançando-lhes um olhar assassino, ao aperceber-se de que tinha sido enganado, solta um miado horripilante e investe, com fúria assassina, contra os seus atordoados donos.
Foi o salve-se quem poder e, fugindo cada um para seu lado, um trancou-se na sala e o outro no quarto.
O Gato, esse,  rugia, bufava, miava desesperadamente e arqueando o dorso, sprintava pelo corredor, investindo contra as portas, na busca insana de uma frincha pela qual pudesse passar e atacar os seus traidores. Após algum tempo, a fúria do Gato pareceu serenar. 
Cautelosamente, a minha Prima abriu uma nesga da porta e chamando em surdina pelo marido, perguntou-lhe se via o Gato e se este já tinha adormecido. Palavras não eram ditas e o Gato, pregando um salto fenomenal, atirou-se contra a porta que a minha Prima conseguiu fechar, com a destreza de quem luta pela vida.
Uma hora se passou, em que, à vez, cada um abria uma nesga da porta, perguntando ao outro, num sussurro, se o Gato já estava acomodado, mas, sempre que tal acontecia, o Gato saltava, corria, bufava, rugia, arqueava o dorso e arremessava-se contra as portas.
Mais meia-hora se passou, reinava agora um silêncio mortal por toda a casa. Pé ante pé, a minha Prima foi até meio do corredor. Finalmente, vencido pela milagrosa poção, o Gato dormia, mole, relaxado e inofensivo.
  À pressa colocaram-no na caixa, transportaram malas e sacos, instalaram-se no carro, partindo com os filhos, para o ansiado Algarve e para as merecidas férias.
Porém, nem tudo foram rosas. O Gato não era derrubado facilmente e, a meio da viagem, acordando, iniciou a sua sinfonia de miados horripilantes, bufando e rugindo, alternadamente, como fera selvagem enjaulada.
O marido já não o é e o gato já é defunto. Mas, até ao fim dos seus dias, os quais terminaram com algum sofrimento, a minha Prima tomou conta do Gato com desvelado amor de mãe. E quando eu lhe perguntava, porque razão aturava ela um bicho que a arranhava e mordia, sem um pingo de compaixão. Ela, invariavelmente, respondia: "Coitadinho, ele não tem culpa, só se zanga quando está aborrecido e faz-me muita companhia."
Mesmo nos últimos tempos, quando a minha prima ia com o Gato ao Hospital Veterinário, pois estava bastante doente, era frequente as pessoas ficarem intrigadas e perguntarem-lhe, um pouco a medo, se o animal que ela levava na caixa era uma pantera bebé, tal não era a ferocidade do animal. Mas,mesmo assim, foi chorado quando faleceu.
Pena é, Querida Prima, que, como herança, o Gato não te tenha cá deixado uma das suas garras e um micron da sua ferocidade. Assim, não haveria tanta gente a aproveitar-se do teu coração de manteiga.


Esta foi a história, verídica, do gato da minha Prima, de seu nome Manelinho da Silva (para se distinguir do outro que havia lá em casa, quando o Gato foi para lá). Outras histórias, de animais de quatro patas, contarei se a vontade, os acontecimentos e a inspiração me bafejarem.

Comentários

  1. Tê, esta também li do principio ao fim!!!!!!!!!!
    Animais é comigo e adorei o Sr.Manelinho da Silva. Era realmente um Sr.Gato, que não deixava por mãos alheias a honra do seu bigode.
    Um beijo da
    Maga

    ResponderEliminar
  2. :) Demais esta história!!! Que feitio que o Gato tinha, puxa! O meu Sasha sempre foi mega meigo, não sei se era por ser da raça persa, mas o certo é que por norma os gatos persas são mais calmos. Já tive um europeu e era mais nervoso, mas nunca me fez dessas cenas, uiii! Mas, dói sempre a perda de um bichano, criamos laços! Que o Gato da tua prima descanse em paz*

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vou adorar ler os seus comentários....
Concorde, discorde, dê a sua opinião...
Volte sempre.
Bem-haja pela sua visita