MOMENTOS MÁGICOS V - ENTRE MUNDOS




Um mar salgado escorre-me do olhar,

Impedindo-me de ver, com nitidez,
O plúmbeo manto que me cobre.
Consciente da dureza do leito florido, do meu axé,
Busco, em vão, um sinal,
Uma resposta de um Orixá indulgente.
De que vale vislumbrar o sol, se não me aquece ou ilumina?
De que vale sentir corações, se não lhes posso tocar?
Sinto que me metamorfoseio.
Sou chão duro e campo florido.
Desnuda, não sou mais mulher.
Sou flor de mulher.



O portal do tempo e do espaço
Abre-se, silenciosamente,
Perante meu olhar atónito.
Sinto medo.
Não sei o que está do outro lado.
Sons vagos, estranhos,  desconhecidos
Vibram no meu coração.
Lá, do  outro lado do tempo e do espaço,
Só se ouve com o coração.

Arrisco um passo.
Avanço tateando,
De braços abertos
E o coração em prece.
Não posso recusar
A oferta dos deuses.
Que mundo é este,
Vestido do branco puro das flores?
Caminho, flor de mulher, 
Em direção à luz
Gloriosa, amena e cheia de mistério.
O Bosque, pacificado, 
Surge na bainha das flores.


Os sons são imensos,
Impróprios para ouvidos humanos.
Mas eu sinto-os.
Adivinhando, sem ver,
A presença dos seres que o habitam.
Divinos são os seres que sussurram.
Harmoniosa a sua emanação.
Sinto a paz do entendimento.
Oiço-a e compreendo-a com o coração. 
Depois, depois, tudo se transforma.
O bosque escurece.
O nevoeiro espesso
Cega o olhar.
Lúgubres sons dilaceram meu coração.
Não os reconheço.
Serão feitos do meu medo?
Da minha incompreensão?


Ou das almas atormentadas que o habitam?
Náufragos de uma vida perdida.
Caminho sem rumo.
Temerosa e Perdida.
O que não entendi?
Onde falhei?
Porque se calam agora os deuses?
Onde está meu Orixá benevolente?
Que querem de mim?
Porque me perderam aqui, 
Onde o verde, o castanho e o cinza 
Não são mais cores,
Mas tormentos da minha alma?


Sem aviso, ante mim, surge o mar
Forte, imenso, magnifico e ruidoso.
Inclino-me em prece,
Ele sempre foi  minha ligação ao imenso, ao divino, ao sem explicação
Oro Àquele que é 
Meu Guia Supremo,
Meu Patrono,
Minha força
E meu saber.
Nuvens rosa acolhem-me
Amorosamente.

Limpam minhas lágrimas,
Suavemente,
Com suas mãos sedosas.
Não sou do tempo,
Nem do espaço.
Sou filha do mundo e
De Deus.


O céu limpo e em flor,
De um azul escuro terno e aconchegante,
Pontilhado de luzes quentes e doces,
Aconchega-me no meu cansaço.



De regresso ao meu mundo,
Entendo.
Entendo que os mistérios
São isso mesmo.
Procurar desvendá-los
É perder tempo.
Deixar fluir, estugar o passo,
Sentir, perdoar, dar abrigo,
Aceitar e amar,
São a única e permitida resposta
Que levará ao entendimento.




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