Vida e Torradas

Quem não se deliciou já com uma torrada quentinha e estaladiça, escorrendo manteiga morna?
Naquele dia de inverno, aconchegados no calor do lar, olhando a chuva que açoita a vidraça, trincando pequenos pedaços de pão estaladiço e quente, entre um golo de chá e a conversa com os amigos...

Naquela manhã ensolarada, de um qualquer fim-de-semana, acompanhada de um sumo de laranja feito na hora...
Recolhidos na cama, vítimas de enorme gripe, sendo mimados pela mãe, ou avó, que nos leva aquele prato de torradas doiradas acompanhadas de um aromático e saboroso chocolate quente...

Naquele final de noite, fartos ainda da grande almoçarada, bebendo um chazinho quentinho acompanhado de uma torrada doirada, que são a única coisa que o nosso mal tratado estômago aceita...
Os dentes vencem a leve resistência oferecida pela torrada, provocando suaves mas audíveis estalidos, a boca enche-se de um sabor quente, entre o salgado e o doce. Mastigamos com prazer e escorrem-nos pequenas lágrimas doiradas pelo queixo que, por momentos, se torna brilhante.

Mas, umas vezes, sôfregos, "atacamos" a torrada como se esfomeados estivéssemos. Outras, comemos primeiro a côdea e deixamos para o fim a parte de que mais gostamos, o meio da torrada, mais húmida e mole. Outra vezes ainda, enquanto aguardamos "desesperados" que a torrada salte da torradeira, acabamos por nos distrair e, em vez de torrada, salta da torradeira algo intragável, escuro, semicarbonizado. 
No final, não nos sentimos satisfeitos ou saciados...De tão rápidos não conseguimos apreciar o sabor ou, por deixarmos o melhor para o final, acabamos por mastigar uma torrada já sem graça, emborrachada, fria e com a gordura coagulada, ou ainda, porque já não há mais pão, acabamos por ter de nos contentar com um pedaço de pão raspado, rígido e carbonizado.
Fazer, degustar e deliciarmo-nos com uma torrada requer tanta sabedoria e arte como viver.
Porque vivo tudo intensamente e tenho pressa de o viver rapidamente, dedicando-me a várias coisas em simultâneo,  tentando alcançar tudo e deixando, tantas vezes, o melhor para o fim, não raras vezes, como vida emborrachada, carbonizada ou, de tão rapidamente a viver, não lhe sinto o verdadeiro sabor, não aprecio o real prazer. 
Nessa altura, é melhor parar, refletir, mudar tudo ou começar de novo.  Encontrar o equilíbrio e paz interior. Definir prioridades. Fazer escolhas e comer uma bela torrada doirada e estaladiça, deixando escorrer pequenas lágrimas de manteiga, agridoce e quente, pelo queixo abaixo.

Comentários

  1. É verdade... a vida deveria ser apreciada devagar, como uma boa xícara de chá e torrada...

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  2. Que comparação fizeste Tê! Tenho, ultimamente, achado beeeem difícil definir prioridades. Mas sei que você já é MESTRE!
    Beijuuss, amada, n.a.

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