O DIREITO À TRISTEZA II

Ainda a respeito da tristeza, da dor e do sofrimento...
Temos direito a estar tristes e devemos reconhecer e viver essa tristeza de uma forma que nos permita, verdadeiramente, aceitar e/ou ultrapassar as suas causas, sob pena de ficarmos para sempre condicionados por traumas ou problemas mal resolvidos.
Recordo, com certo espanto, alguns acontecimentos  do dia em que o meu Pai morreu. 
O meu Pai foi vítima de um enfarte do miocárdio, fulminante, quando tinha apenas 64 anos. A sua morte foi totalmente inesperada e portanto um choque para todos nós. Estávamos, como facilmente se imagina,  muito tristes e também algo chocados. 
Estar triste, infeliz, chorar ou sentir revolta e incompreensão pela partida de um ente querido, por uma traição, por qualquer género de perda, por nós ou alguém de quem gostamos estar gravemente doente, ou por se ser vítima de qualquer tipo de mau trato, abuso ou injustiça grave,  é natural e é saudável.
O espanto que senti no dia da morte do meu Pai teve a ver com o facto de algumas pessoas se terem dirigido a mim, à minha irmã e à minha Mãe, perguntando se queríamos um calmante.  Ora bem, nós estávamos tristes e chocadas, mas não apresentávamos qualquer tipo de sinais de nos encontrarmos descontroladas, histéricas ou irracionais.
Pergunto-me agora, tal como me perguntei na altura, porque razão nos ofereceram calmantes?
Estar triste, infeliz e em sofrimento, quando  morre alguém de quem gostamos, é normal e não se pode, nem deve, tentar evitar esses sentimentos.
 Não conheço, nem creio que existam, ou venham a existir, medicamentos que nos tirem a tristeza. E se vierem a existir, não me parece de todo uma coisa normal ou natural, pois o recurso a medicamentos para tentar combater a infelicidade causada por ocorrências dolorosas da vida, penso que apenas adiam a dor, sem que tenhamos lidado de forma adequada com as suas causas
Conheço, sim, medicamentos que nos adormecem e atordoam e, por isso mesmo, impedem que encaremos os problemas de frente. 
Obviamente que se a pessoa se encontrar num estado absolutamente descontrolado ou se cair em depressão, será necessário consultar um psicólogo ou um médico e, eventualmente, recorrer aos medicamentos indicados para a sua situação específica.
De acordo com o Modelo de Kübler-Ross, existem cinco estágios pelos quais as pessoas passam ao lidar com a perda, o luto e a tragédia. Estes estágios foram identificados principalmente em pessoas a quem foram diagnosticadas doenças terminais, mas,  constata-se que são comuns na maioria das pessoas que passam por qualquer tipo de acontecimento doloroso, 

Os estágios da perda ou do luto são:
  1. Negação e Isolamento: "Isso não pode estar acontecendo."
  2. Cólera (Raiva): "Porquê? Não é justo."
  3. Negociação: "Se eu fizer isto!!! vou conseguir inverter a situação ou ganhar tempo."
  4. Depressão: "Estou tão triste. Por que me preocupar com qualquer coisa?"
  5. Aceitação: "Tudo vai acabar bem."
Estes estágios nem sempre ocorrem nesta ordem e  não é inevitável passar por todos eles, mas cada pessoa  passará sempre, pelo menos, por dois.
Existem pessoas que estão quase sempre tristes, deprimidas, irritadas ou infelizes, sem que para tal pareça existir uma relação objetiva, de causa e efeito, podendo esses estados emocionais ser atribuídos a causas psicológicas, neurológicas ou químicas, ou a determinados traumas, particularmente traumas de infância, que nunca foram resolvidos, compensados ou ultrapassados. 
De alguma forma, todos nós temos traumas e facetas psicológicas ou emocionais que, pontualmente, nos podem levar à depressão, irritabilidade ou infelicidade, sem que para isso encontremos uma explicação ou causa muito específica.
Contudo, entre estes estados emocionais, constantes nalgumas pessoas ou pontuais na maioria das pessoas,  e a infelicidade causada por motivos concretos e dolorosos, existe uma grande diferença, quer nas causas, quer na abordagem que se deve fazer aos mesmos.
Inevitável é que quando existe uma causa real, concreta, especifica e dolorosa que nos faz sofrer, temos o direito, a necessidade, direi mesmo, a obrigação, de reconhecer esse sofrimento,  senti-lo, vivê-lo e superá-lo. Ainda que para sempre fique a saudade. Ainda que para sempre fiquem as recordações...

Comentários

  1. Creio ser, de fato, um direito, vivenciar a dor e o sofrimento, até que se esgotem. É na duração de seu exercício que se define os parâmetros entre o normal e o que precisa ser tratado. Abraços!

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  2. Concordo com as suas ponderadas colocações. Tristeza e depressão são coisas distintas.
    A dor e o sofrimento hão de ser vivenciados até a última gota até a sua transformação em um sentimento mais ameno. Fugir da dor ou do sofrimento consiste em adiar a sua superação. Creio, apenas, que não se deve permanecer na dor por muito tempo a fim de que não se acostume com sua companhia ou que ela se transforme em doença propriamente dita.

    Ótima crônica.

    Beijo.

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