A FELICIDADE É UMA FARTURA

HAPPINESS IS TO EAT A "FARTURA" - Foto de FELICIDÁRIO -
Ilustrada por/Illustrated by Júlio Dolbeth Illustration
Na casa de meus Pais, quando eu era menina e adolescente, havia três empregadas. Duas delas já tinham sido "herdadas" da casa das minhas avós, uma da mãe do meu pai e outra da mãe da minha mãe, e por lá se mantiveram até à sua "viagem" final. A terceira funcinonária ia mudando de tempos a tempos, pois eram sempre raparigas novas que, quase invariavelmente, nos deixavam para casar.
A Custódia, a nossa fantástica cozinheira, começou a trabalhar muito novinha, numa idade em que deveria apenas brincar. Foi para casa dos meus bisavós, pais da minha avó materna, com apenas seis anos, para fazer recados e aprender a lida da casa. Acompanhou a minha Avó Irene, quando esta se casou, e, mais tarde, a minha mãe.
A sua vida nunca foi fácil, não teve tempo para brincar, para ser criança, nem para ir à escola. Foi uma vida de trabalho, desgostos e situações complicadas, com poucos momentos de lazer ou divertimentos.
A "nossa" Custódia" era muito mais do que a nossa cozinheira, ela era  "família". Não a de sangue, mas aquela "família" de que só fazem parte os que nos querem bem, aqueles com quem partilhamos os segredos mais intimos, com quem contamos em todas as situações, que nos conhecem melhor que ninguém, que partilham as nossas dores e alegrias...
E, ela, era sábia, para além de cozinhar como ninguém, tinha um sentido de humor particular, uma filosofia de vida muito própria e, acima de tudo, a capacidade de ser feliz com as coisas mais simples.
Uma ida à praia e um almoço num Restaurante, a ver o mar, era, para ela, o ponto mais alto do verão. Penso que, todos os anos, aguardava ansiosamente, como uma rapariguinha sonha com a ida ao baile, pelo dia em que o meu Pai escolhia para levar todo o pessoal à praia.
Descobri que a felicidade é uma Fartura numa noite de verão.
A Custódia gostava muito de farturas e, quando já estava demasiado velha para ir à Feira, pois tinha dificuldade em andar, eu, sempre que ia à Feira, de Santiago ou de Sines, levava-lhe sempre uma fartura. 

Não há Feira que se preze que não tenha várias tendas, normalmente roulotes ou autocaravanas, em que se vendem Farturas.

Naquele dia, fui à Feira de Sines, em meados de Agosto, e, como sempre, comprei uma Fartura para levar para a Custódia, mas cheguei a casa já muito tarde e ela já estava deitada. Por um momento, hesitei, seria melhor não a acordar? Não lhe faria mal comer a fartura tão tarde e dormir em seguida? Afinal, a Fartura, não passa de massa frita com açúcar, portanto é um pouco indigesto.

Mas, em boa hora, acabei por me decidir e, entrando no quarto, acordei-a:
- Custódia, está aqui a sua Fartura, apetece-lhe comê-la?
Ela sentou-se na cama, com o máximo de rapidez que o seu corpo trôpego lhe permitiu e, com os olhos brilhando de uma felicidade pura e genuína, que apenas costumamos encontrar nas crianças, comeu, deliciada, a Fartura, já um pouco fria, como se esta fosse o mais precioso dos manjares, um sonho realizado, a personificação da própria felicidade.
Foi nesse dia, já lá vão mais de 20 anos, que descobri o que é Felicidade. Ela é feita de coisas simples e é tanto maior quanto mais puros são os corações. 
Desde então, para mim, Felicidade é uma Fartura....


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