O VIAJANTE - CAPÍTULO II






Me sinto em casa em qualquer lugar
Mas sou turista em todos
Sou viajante em qualquer lugar
Sou uma parte do todo

                                                    O Viajante - Forfun 






João partiu para África, mas, ao contrário do que o seu coração lhe pedia, obrigou-se a começar a viagem pelo Norte de África. Afinal, a África sub-sariana, das savanas, leões, elefantes e tribos guerreiras, não deixaria de lá estar, à sua espera.
Nos últimos anos, João deixara de enviar postais para os pais, preferindo escrever-lhes longas e detalhadas cartas, nas quais descrevia os lugares por onde passava, os hábitos e tradições das gentes e os acontecimentos e situações divertidas, caricatas, tristes ou emocionantes, ou mesmo as assustadoras e perigosas.

Assim, conseguia alcançar dois objetivos. Manter-se em contacto permanente com os pais e escrever uma espécie de diário de viagens que, um dia, complementaria a informação guardada nos seus cadernos de capa dura e, quem sabe, talvez viesse a servir para escrever um livro de memórias, um roteiro de viagens, ou um livro de aventuras.
O Norte de África é feito de uma beleza arquitetural única,  minuciosa e espetacular. De paisagens contrastantes entre o verde viçoso e o agreste deserto. De gentes com costumes e tradições que se revelavam, por vezes, incompreensíveis e repletas de preconceitos e intolerância, para o observador  ocidental.

João apaixonou-se pelo deserto, pela arquitetura árabe, pelas pirâmides, pelo Nilo e pelos povos Berberes, o seu espírito nómada e a sua  indestrutível sede de liberdade.







Viveu no deserto com os Tuaregues, fez amigos e aprendeu a ler as areias e a interpretar os ventos. Viajou no tempo, através das narrativas que, passadas por transmissão oral, constituem o legado e história de um povo singular.








Navegou pelo Nilo, em Feluccas, observando a sua fauna e flora e a vida nas suas margens.


Em todos os lugares, aprendeu novos ofícios, nos quais trabalhava a troco de dinheiro ou de alimentação e dormida. Em todos foi deixando amigos, bebendo a história e tradições dos povos, fortalecendo os seus conhecimentos de geografia e ciências, observando a natureza, aprendendo novos conceitos, novas filosofias de vida, novas formas de fazer arte,  trabalhar a terra ou pescar.
Também se confrontou com situações delicadas, perigosas ou, mesmo, extremamente injustas, que lhe fizeram ferver o sangue. Mas, perante esses factos, pouco ou nada podia fazer, pois não deixava de ser um estranho, numa terra estranha.
Para evitar incidentes desagradáveis, aprendeu a observar as mulheres de uma forma, aparentemente, desinteressada, ainda que, por vezes, os olhares delas fossem bem atrevidos.
Depois de pouco mais de um ano de deambulações pelo Norte de África, João decidiu que já era tempo de partir para a África Negra. 
Ansiava por caminhar pela savana e cruzar-se com leões, elefantes, zebras e todos os outros invulgares animais  que fazem dela o seu habitat.

E, esta não o desiludiu. As cores fortes, o sol intenso os matizes de verde, a natureza dura, mas esplêndida.
Viveu  com os orgulhosos guerreiros Masai e aprendeu a reconhecer os sons da savana e da floresta, a caminhar com uma elegância altiva e segura, contra o vento, em silêncio e em paz.



Conviveu de perto com as novas e refinadas formas de colonialismo, com as desigualdades sociais, tão evidentes, com o autoritarismo e a prepotência política, com as guerras intermináveis, com o atraso científico, tecnológico e industrial, com os problemas da educação e com a pobreza e a fome, as quais, pelo contraste violento que faziam com a beleza e harmonia da fascinante natureza africana, o deixavam perplexo, revoltado e triste e o faziam sentir absolutamente impotente.



João viveu e trabalhou em cidades e sanzalas, em Missões, ONG e com os Médicos do Mundo.



Sentiu na pele as dificuldades de deslocação, quer devido ao mau estado, ou mesmo inexistência, das estradas, ao parque automóvel decrépito, aos comboios quase centenários, com horários pouco fiáveis e problemas diversos, quer pela dificuldade de obtenção de vistos, para atravessar fronteiras, entre um país e outro.




No entanto, a cada dia que passava, mais e mais, João sentia que a terra africana se entranhava no seu coração e nas suas veias. 




João traçou um itinerário que procurou cumprir, tanto quanto os meios de transporte e os vistos lhe permitiram, o qual, partindo do Egipto, atravessava o continente Africano pelo lado oriental, em direção à África do Sul.
Projetara fazer estadias mais prolongadas em Moçambique e Angola, pois estes países detinham memórias e afinidades muito particulares com Portugal.
Assim, no regresso, Angola foi o seu mais importante destino. Em Benguela travou conhecimento com alguns elementos do grupo que se encontrava ao serviço dos Médicos do Mundo e acabou por se juntar a eles, ainda que de uma forma não oficial.
João foi ficando por ali, bem mais tempo do que havia imaginado. Sentia-se bem, como se tivesse chegado a casa. O sol, o verde, a praia, as pessoas e, especialmente, Marie, estavam a retê-lo. Nunca, desde que começara a viajar, se mantivera durante tanto tempo no mesmo lugar.

Continua...

Comentários

  1. Fui lá na primeira parte ler...adorando esse viajante. E que fotos Tê!
    Beijuuss irmiga
    P.S: hj consegui comentar uhuuu!!! É que nem sempre abre essa caixa.

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