Agudezas, Picardias e Alfinetadas do meu Sofá Verde


O meu Sofá Verde é dado a maus humores e sarcasmos acutilantes e é dono de uma língua assaz viperina.
Uso-o com moderação, não vá ele abespinhar-se e, babando de exaltação, explodir em impropérios que lhe toldariam a visão, de tal sorte que do seu inocente verde não restaria mais do que a memória, pois de escarlate se vestiria então, para dar vida e cor à ira acumulada e aos seus ódios de estimação.
Nele acomodo toda a sorte de gente e políticos de qualquer facção.
Noutro dia, recebi a Kati, dos olhos doces. Sentou-se com à vontade, no sofá da minha aflição, e começou a debitar pérolas de sabedoria, do alto da sua admirável superioridade moral de esquerda. 
Eu quedava-me, muda, olhando de soslaio aquele irascível e imprevisível assento, temendo a sua  inopinada explosão. A dada altura, notei que começava a contorcer-se como se padecesse de qualquer enfermidade dolorosa. As suas agudezas, hirtas, estremeciam, como se tomadas de violento acesso de febre, frio glacial inusitado ou mesmo de uma convulsão.
E ela falava, falava, falava, de direitos, tomadas de posição, de consciência social  e do povo sofrido, como o da velha canção, que só dos livros e visitas de propaganda conhecia.
Reivindicava, ameaçava e, batendo o pé, rejubilava, olhando o chão com profundo desprezo, como se por baixo do seu poderoso pé rastejasse uma Europa rendida. 
O cheiro pestilento da hipocrisia tornou o ar irrespirável e eu, temendo o pior, delicadamente, convidei-a sair.
Foi mesmo a tempo, espumando de raiva, o verde assento mudara de cor e preparava-se para cravar as suas agudezas na inconsistência de tão douta e poderosa senhora. Esta disse-me adeus do alto do seu virtual conhecimento, por correspondência, e da sua virtude de representante da turba enraivecida.
Recebi, mais tarde, o senhor Kostas, de beiço largo, sorriso aberto e olhos falsos. Era a própria encarnação do Sancho Pança que, num ataque de raiva e frustração, decidira que não mais queria viver na sua condição, tomando de assalto o lugar do seu patrão, o tal da triste figura.
Acompanhava-o um figurante de olhar imbecil, o Prof. Karamba, que, de dedo erguido, regurgitava devotados elogios à argúcia, habilidade e extraordinária idoneidade do seu inefável líder e oráculo de inspiração.  
Sancho Pança, perdão, o senhor Kostas transpirava a serenidade tranquila dos que, certos do dever cumprido, se outorgam  de predestinados.
O imbecil continuava a sua ladainha, ora tecendo loas ao predestinado, ora aguilhoando o "indecoroso" inimigo.
Por qualquer razão, fez-me lembrar um  jogo da minha infância, "Eu sei tudo", em que um boneco, de ponteiro em riste, apontava as respostas corretas, às perguntas que anteriormente indicara. Mas, de facto, tal como o imbecil, o boneco não era inteligente, apenas se movimentava e dava a resposta correta devido a um original sistema de ímanes.
Finalmente, e para fechar esta ronda, chegou Notino, um senhor alto, de ar alquebrado, expressão triste e olhar vazio. Sentou-se, com um suspiro de profundo cansaço. Pouco depois, velando os lábios com uma das mãos, confidenciou-me, quase em surdina, que nunca fora muito bom em aritmética. Não fora sua mãe, que tanto o ajudara naquelas complicadas operações de somar, diminuir, multiplicar e, acima de tudo, dividir, nunca teria conseguido "vencer" aquela complicada matéria. Ainda hoje, sentia dificuldade em perceber por que razão, se de 2 tirarmos dez, o resultado é negativo. 
Foi demais, para o meu verde Sofá. Agoniou-se, perdeu o brilho, as agudezas desfaleceram. Sem cor, sem voz e sem alento, desmoronou sobre si próprio, expulsando do seu regaço tão indesejáveis companhias.

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