Sem Borracha para Apagar na Net ou o Efeito Streisand, em o ALENTEJO QUE AMAMOS


Ao longo de cerca de duas semanas, as redes sociais, particularmente o facebook, blogs, jornais e até os canais de televisão, portugueses, fervilharam de notícias, crónicas, imagens e comentários.
O motivo? Um livro, um autor e uma entrevista, num programa de um canal televisivo. 
É de forma intencional que, aqui, não refiro nem o nome do autor, nem do livro, nem o programa ou canal televisivo, exatamente para não estar a contribuir, de novo, para que Efeito Streisand se reflita, ainda mais, neste caso. 
O livro em causa encontra-se na categoria de Retratos, na Fundação responsável pela sua edição, a qual já tem um historial de apoio a obras que procuram retratar as regiões de Portugal, entre muitas outras obras e projetos.
À primeira vista, poderia parecer que não havia aqui motivo para tanta comoção, mas acontece que, por um lado, o livro é uma miscelânea de coisas, ou seja, qualquer coisa entre um romance, um ensaio, uma tese, um retrato, um paper e um livro de memórias, onde o autor reflete, de forma emotiva, as suas reminiscências de infância, carregadas de uma forte componente traumática, as quais parecem não ter passado pelo crivo de uma análise adulta e distanciada, mas que, no entanto, pretende comprovar através de dados estatísticos e um número indefinido de entrevistas que terá efetuado a alguns habitantes dessa Região; e, por outro, na entrevista televisiva, o autor, tomado de forte emoção, adjetivou, de forma invulgarmente depreciativa, todo um povo, sem qualquer outro fundamento, científico ou outro, que não fosse a sua própria experiência pessoal, fortemente marcada pela subjetividade e infantilidade.
O "povo" agredido reagiu em massa. Não faltaram as mensagens ameaçadoras, ou em linguagem pouco ortodoxa, as imagens depreciativas ou de caráter violento e ameaçador, contudo, todas elas foram apenas virtuais.
Extraordinariamente, os meios de comunicação reagiram, de forma assaz crítica e virulenta, contra esta onda de protesto virtual, hasteando a bandeira da liberdade de expressão.
Esta reação é tanto mais extraordinária, por quanto nunca estes media se manifestaram acerca de todos os comentários igualmente violentos, causticos ou ameaçadores  que podiam ser lidos, até há poucos dias, nas páginas do facebook do ex-Presidendente da República e do ex-Primeiro Ministro, nem relativamente às imagens, virulentas, depreciativas e ameaçadoras que circulavam nas redes sociais, relativas a estes, nem mesmo filtraram ou, de alguma forma, reprovaram as imagens da TV, no passado dia 1º de maio, onde se podia ver, pelo menos, um grupo de homens que, simbolicamente, almoçava coelho à caçador, ameaçando que agora era simbólico, mas que lhe iriam fazer o mesmo, ao exPrimeiro Ministro, obviamente.
Este utilizar  de dois pesos e duas medidas para avaliar realidades semelhantes é deveras inquietante e põem-nos de facto a refletir acerca do que realmente querem as pessoas dizer quando evocam o direito à Liberdade de Expressão.
Perante estes factos e porque é da minha Região que se trata. decidi partir numa cruzada em defesa do Bom Nome, Boa Imagem e Dignidade do Povo Alentejano. Acima de tudo, pretendia que os acontecimentos subsequentes pudessem confirmar essa mesma Dignidade e foi com emoção que assisti ao vídeo, da apresentação do livro, onde um grupo de alentejanos "Cantores do Desassossego" foi cantar o Cante Alentejano, Património Imaterial da Humanidade, com a dignidade e educação que sempre soube que o "meu" povo tinha e tem.
Felizmente, nem todos nos atacaram violentamente. Ao Diário de Notícias reconheço o mérito de ter tratado este incidente com imparcialidade e equidistância, no artigo "O Alentejo visto pelos alentejanos daqui e de lá", provavelmente, outros mais o terão feito, pelo que, desde já, aqui ficam as minhas desculpas por, por desconhecimento, não os referenciar. 
Logo após a apresentação do livro, informei os Membros do Grupo de protesto, do qual fui uma das Administradoras, durante cerca de duas semanas, de que no final dessa semana me iria retirar do Grupo, uma vez que, em virtude do desenrolar dos acontecimentos, os quais tinham ocorrido de forma ordeira, pacifica, educada e digna, por parte dos alentejanos, já não se justificava a minha presença no mesmo, nem tão pouco me parecia que existisse justificação para este continuar a ativo.
Mas, a vida está sempre a surpreender-nos e, felizmente, muitas das vezes, fá-lo pela positiva. Cerca das duas da manhã, de sexta-feira passada, fiquei a saber que o Alentejo era capa da Revista Evasões, esta revista faz parte integrante das edições de sexta-feira do DN e JN e, a partir de sábado, é vendida separadamente pelo preço de 1,60€, e, também, primeira página do Diário de Notícias.
Este foi o culminar da nossa Vitória.
Foi uma Vitória sem críticas, sem ataques, sem ameaças, sem golpes baixos, sem atropelos à liberdade de expressão. Não foi a retratação do autor ou dos órgãos de comunicação que nos tinham atacado, mas, foi algo mais importante, foi a contestação desse ataque, por parte de dois históricos representantes dos meios de comunicação, o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias. Uma contestação feita da forma mais consistente, elegante, expressiva e bonita que se pode fazer.
Claro que houve logo vozes discordantes que pretenderam desvirtuar a atitude do DN e do JN, atribuindo-lhes interesses meramente materialistas e comerciais, ao darem este enorme destaque ao Alentejo, nas suas edições de sexta-feira.
A esses apenas posso responder que todos nós temos interesses comerciais/materialistas na nossa atividade profissional, pelo que estes dois jornais também não poderão deixar de os ter. Contudo, há formas dignas e formas indignas de exercermos as nossas atividades profissionais e a do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, neste caso particular, considero-a uma forma muito digna e por ela lhes estou profundamente grata.  



Ler um dos artigos - Alentejo, esta terra que amamos

1ª Página do Diário de Notícias, de 11.03.2016


Não posso deixar de referir aqui a investigadora Raquel Varela, pelo seu testemunho exemplar, em defesa daqueles que, afinal, para se defenderem, de falsas ou deturpadas acusações, só podiam utilizar as redes sociais.
Cito-a de forma isenta e insuspeita, pois, as nossos ideologias político-partidárias são diametralmente opostas. Refiro este facto porque, infelizmente, também pretenderam fazer o aproveitamento político deste acontecimento, tentando associar o protesto a certas e determinadas vertentes partidárias.

"(...) Qualquer paralelo com o nazismo/ditaduras, que foi feito por vários cronistas, deve ser não entre o comportamento da maioria das pessoas nas redes sociais e as ditaduras mas entre a defesa de um povo que gosta de ser analfabeto, não se importa de ser violado, é mau com o próximo, e por fim mata-se sem culpa cristã – o racismo de HR – e a defesa da democracia e da verdade, espelhada nas centenas de comentários cultos, civilizados, decentes e sérios que milhares de pessoas colocaram em rede, fazendo do livro uma triste caricatura.
(...) O revistar do passado de HR, que destrata o seu passado pobre, e despreza a sua família – Ah! mobilidade social, a quanto obrigas!!, quanto costas dobradas e joelhos a rastejar! – , foi arrasado nas redes sociais, não com queima de livros, mas com dados e testemunhos, análises profundas, que não vieram nos jornais."         Raquel Varela, in "HR, o pequeno Le Pen medíocre"

Reza assim o último post que partilhei no Grupo que, até ontem, administrei:


Caros Membros,



Amanhã, já não estarei nestes Grupo, mas não quero sair sem deixar um último post de despedida, a todos vós, particularmente a todos aqueles que aqui se mantiveram mais ativos.

Foi uma caminhada em defesa do Alentejo e do Povo Alentejano. Não somos perfeitos, porque nenhum ser humano o é, mas somos merecedores de respeito e por isso estive aqui.

Orgulho-me do nosso Dia do Silêncio e de todas as maravilhas que aqui foram partilhadas, paisagens, monumentos, restos de história, tradição, cultura, arte. Enfim, tudo o que faz parte do Alentejo e da Alma dos Alentejanos.

Acreditem, aprendi muito aqui. Nunca podemos ter a veleidade de pensar que somos os detentores da verdade universal. A nossa perspetiva de ver o mundo e os outros não é a única possível, bem pelo contrário. Por essa razão, procuro ter a humildade suficiente para ouvir e aprender com todos os que me cruzo, no mundo real, ou virtualmente, independentemente de serem mais, ou menos, reconhecidos, mais, ou menos, instruídos, mais, ou menos, ricos e, evidentemente, independentemente de pensarem de forma diferente da minha.
Acredito que só é possível crescermos, enquanto pessoas, se retirarmos as palas dos olhos, se nos libertarmos dos nossos fantasmas, preconceitos, traumas, invejas e tudo mais que nos faz ver o mundo, os outros ou a nós próprios de forma negativa. Temos “obrigação” de ser realistas, mas a realidade não é feita apenas de tons negros, muito pelo contrário, é feita de todas as cores do arco-íris e de mais uma enorme quantidade de tonalidades.
Acredito que só tentando compreender, respeitando e valorizando as pessoas, é que elas se sentirão compelidas a dar o melhor de si mesmas e, consequentemente, a transformar o Mundo num lugar melhor.

Até Sempre

Teresa Varela

.../...

Para finalizar, resta-me, apenas, manifestar a minha tristeza por, de novo, ter constatado que há pessoas que, para se tornarem figuras mediáticas ou para, de alguma forma, alcançarem os seus objetivos de riqueza, poder, destaque social ou profissional, fazem não importa o quê e usam não importa quem. 

Igualmente me entristece a atitude de outros, que, por terem acesso ou fazerem parte dos órgãos de comunicação social, os usem, sem dó, nem piedade e sem procurarem conhecer a veracidade dos factos, para atacar aqueles que não se podem defender, em igualdade de circunstâncias, pois não têm acesso aos meios privilegiados da comunicação.
Lamento, ainda, que muitos outros, ainda que discordando das atuações do autor e dos media, se tivessem mantido calados e virado a cara para o outro lado. 
Este caso não tem, felizmente, extrema gravidade, nem põe em risco a vida ou integridade física de alguém, mas, ao longo dos tempos, não são raros os acontecimentos, de extraordinária importância e consequências dramáticas para a humanidade, que só tiveram lugar ou, pelo menos, só atingiram proporções tão nefastas por que os "bons" viraram a cara para o lado.


"O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons."  Martin Luther King


Efeito Streisand (em inglês: Streisand effect) é um fenómeno da Internet onde uma tentativa de censurar ou remover algum tipo de informação se volta contra o censor, resultando na vasta replicação da informação. Exemplos de tais tentativas incluem censurar uma fotografia, um número, um vídeo, um arquivo ou um site. Ao invés de serem suprimidas, as informações rapidamente recebem uma extensiva publicidade, sendo largamente publicadas em diversos outras fontes e sites de relacionamentos, intensamente procurada em buscadores (como o Google) ou distribuídas em sites de partilha de arquivos. in Wikipédia


Comentários