AMO-TE

Amo-te é uma palavra relativamente nova para mim.
Nos meus tempos de menina e moça, a maior parte das pessoas, do meu círculo de amigos e conhecidos e, também na família, não utilizava esta forma reflexa do verbo amar, para manifestar o seu amor por alguém.
Penso que, simplesmente, não dava jeito. Aquele "te" agreste, no final, parecia desvirtuar o próprio sentimento, soava mal e, além disso, considerávamos a palavra ridícula e lamechas demais, própria dos romances de cordel e de fotonovelas ("género literário", muito em voga na época, de romances de amor aos quadradinhos, com fotos e os competentes balões, com os diálogos ou pensamentos, em formato de revista). 
Na nossa crueza e insensibilidade juvenil, associávamos a sobredita palavra aos desenhos pirosos de corações escarlates, vertendo lágrimas de sangue e atravessados por setas cupidescas. No entanto, permitiamo-nos a utilização do "I love you " dito e, principalmente, por escrito.
Foi desastroso o primeiro contacto direto que tive com o "Amo-te". Desastroso e cruel.
Estava no secundário, era jovem e a minha irreverência e enorme sentido do ridículo, que me são próprios, encontravam-se no auge.
Um dia, um colega de turma com o qual não tinha mais proximidade do que o sentarmo-nos lado a lado, nas aulas de português, entregou-me uma carta, num dos intervalos, pedindo-me que só a abrisse em casa.
Evidentemente, não acedi ao seu pedido. De imediato, fui em busca de uma colega, que era uma das minhas melhores amigas, e juntas lemos a missiva inflamada e apaixonada.
Todas as cartas de amor são ridículas, já o dizia Fernando Pessoa, e tornam-se tanto mais ridículas quando o alvo das mesmas não nutre um sentimento equivalente pelo seu autor. As nossas gargalhadas atroaram os ares. À leitura de cada nova frase nova gargalhada. 
Na verdade, eu não sabia, nem queria, lidar com aquela situação, Nem queria ter que dar nenhuma resposta. Sentia-me, simultaneamente, nervosa, irritada e divertida, e, talvez, um pouco lisonjeada. Mas, de facto, eu nunca tinha manifestado qualquer interesse pelo rapaz e o nosso relacionamento era apenas de circunstância.
Tudo aquilo foi profundamente constrangedor, incluindo o indesejado"Amo-te", mas, só mais tarde, compreendi totalmente o alcance da minha atitude. Eu não só rejeitara o rapaz, como o fizera de uma forma profundamente humilhante.
Por qualquer razão, não tenho memória do que se passou nos dias que se seguiram a este acontecimento, nem das aulas de português ou de o ter voltado a ver. Suponho que a minha mente os bloqueou, por serem demasiadamente constrangedores e em virtude da minha consciência pesada.
Mesmo passados todos estes anos, sinto que lhe devo um pedido de desculpa. Embora julgue que o mesmo acabasse por tornar este acontecimento ainda mais constrangedor e humilhante.
O sentimento de rejeição é, talvez, o pior com que nos podemos confrontar. Quem rejeita sente-se, normalmente, incomodado, mas quem é rejeitado sente-se um lixo.
Foi com o surgimento, na TV, das telenovelas brasileiras que inciamos o processo de pacificação com o "Amo-te", ainda assim na sua forma não hifenizada, isto é, à brasileira, com o "Te Amo".
No entanto, só mesmo no final dos anos 90 é que me ouvi, a mim mesma, a pronunciar tal vocábulo. Afinal, a paixão e o amor não são propriedade de nenhuma classe etária.
Hoje em dia, o "Amo-te" já foi adotado, em Portugal, por todas ou quase todas as classes sociais e gerações, mas será que, na verdade, esta palavra tem um significado mais profundo e sincero do que o nosso velhinho e despretensioso "Gosto de Ti"?
O que queremos, de facto, dizer quando dizemos amo-te?
Apenas o amor romântico produz a necessidade de o dizer? Ou, pelo contrário, também o dizemos aos nossos filhos, aos nossos pais ou aos nossos amigos do peito?
Quando dizemos Amo-te, esperamos que o outro nos responda de forma idêntica, ou seja, de certa forma, estamos a pressioná-lo para que nos manifeste, também, o seu amor por nós, verbalizando-o.
Será que amamos o outro, ou amamos apenas a imagem idealizada que fazemos dele e, também, o seu amor por nós?
Amar não deveria ser uma dádiva? Se o idealismo nos diz que sim, a prática demonstra-nos algo bastante diferente.
Quem ama quer ser amado, e mais, quer ser único. 
Amor e posse parecem, assim, ter uma relação quase indissociável.
Mas, será que não podemos amar, romanticamente, duas pessoas ao mesmo tempo? Ou será que só não admitimos fazê-lo por uma mera convenção social? Ou por uma questão de preservação pessoal, pois queremos ser únicos no coração de alguém, queremos ser "donos" do seu coração?
Retomando a questão, o que queremos mesmo dizer, quando dizemos "Amo-te"?
E, não será que o amor é, também, uma questão de liberdade?








Comentários

  1. Teu texto é lindo, e muito verdadeiro, mas fiquei triste...
    Também tive na vida um episódio parecido, já mocinha, quando um menino da escola noturna onde eu estudava após o trabalho, me entregou uma carta parecida. Nela, ele dizia que eu era a razão do seu vivier. O menino era muito feio, pobre, e não tinha alguns dentes na frente. Também ri dos sentimentos dele. Também o tratei de forma humilhante. até hoje eu fico triste quando me lembro. Mas foi em uma época muito triste da minha vida. Talvez eu o tenha usado para descarregar a fristação que eu sentia naquela hora, quando vivia a morte de um rapaz que eu amei muito...

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