OLÁ, SOU O DIOGO, TENHO 15 ANOS E TENHO CHARCOT-MARIE-TOOTH

(Reprodução integral do artigo publicado na Up to Kids)

Dispenso-me de quaisquer comentários, o artigo fala por si.



Diogo Lopes


Olá, sou o Diogo, tenho 15 anos e tenho Charcot-Marie-Tooth.
Esta frase é uma componente certamente presente quando trato de me apresentar. Parece estranho, não é?

“Olá sou o Diogo, tenho 15 anos e tenho uma doença rara neuromuscular, que me pode colocar num estado em que fique dependente de terceiros.” – É o que a frase significa, no fundo.

Primeiro, vamos colocar os pontos nos ‘i’s. Charcot-Marie-Tooth ou CMT é uma doença rara, que me foi diagnosticada aos 10 anos. É uma doença hereditária, no entanto, eu sou o chamado “caso novo”, onde ocorre uma mutação genética que origina esta doença. Não poderei culpar a genética por esta patologia.

Apontarei o dedo à sorte que não tive, ao comprar a rifa no ato de que nasci. Calhou-me esta enfermidade.

A CMT destrói a mielina, uma membrana que envolve o nervo, responsável pela condução dos estímulos nervosos. Tem como principais sintomas, a deformação de membros, a perda de massa muscular, a perda de equilíbrio e a perda de sensibilidade, bem como uma dor constante e desconcertante, uma característica que sempre teve a bondade de não acompanhar o meu caso. Esta é uma doença que, normalmente, tem um progresso distal-proximal, i.e., afeta primeiramente os pés e mãos, seguindo então para o resto do corpo. Este progresso, pode ser mais lento ou mais rápido, apesar de manter-se sempre no espectro da lentidão, dependendo do tipo de CMT que a pessoa afetada tem. Digo pessoa afetada e não doente, simplesmente porque não gosto da palavra “doente”. Nós não temos nenhuma gripe, ou uma febre. Somos deficientes, gente! Eu sei. É chocante e pode até doer-vos na sensibilidade, mas é isso que somos. Temos falta de eficiência em realizar certas e determinadas ações, logo somos deficientes. Não somos os únicos.

A variedade de tipos dentro da CMT é um dos principais fatores que atrasa o diagnóstico. A doença pode estar na lista de suspeitos do seu neurologista, mas apenas através de um teste genético poder-se-á confirmar o culpado. Este exame dispendioso é comparticipado pelo Estado apenas três vezes. Caso tenham uma Fortuna fatídica neste pequeno jogo de roleta russa e falharmos as primeiras três tentativas, irá restar-vos a opção sarcástica de, caso queiram e/ou possam pagar do vosso próprio bolso.

Não me cabe a mim iludir-vos e dizer-vos que é uma vida fácil. Não é. Mas o amaciador que cada um usa na vida depende de si mesmo. Eu estudo na Escola de Música do Conservatório Nacional e no Hot Club de Portugal. Quero ser músico. No entanto, o destino sorriu-me de forma diferente. Há pouco tempo houve um avanço da doença que incidiu na minha mão, avanço esse que não me impossibilitou de tocar, mas sim de cumprir os padrões rigorosos que o Conservatório exige.

Tive de mudar de curso. Neste momento, além de estudar piano, estou oficialmente em Composição, um curso que adoro e que já andava na minha visão periférica há algum tempo, mas foi a doença que me obrigou a avançar com a decisão de mudar de curso. Não fui eu.

É com esta incerteza que eu lido diariamente. Mas eu vivo com um grande sorriso na cara. Sou bastante feliz. A doença faz parte de mim. Eu aceito-a como uma característica que me define, tanto como a cor dos olhos, a altura, o peso, a inteligência e o humor. São tudo componentes que criam esta grande peça de lego. Sem esta doença não conseguiria olhar para uma máquina de venda de comida e reparar que a ranhura para inserir moedas costuma ser alta demais para uma pessoa de cadeira de rodas lá chegar. Não saberia que uma panela pesada representa um esforço para pessoas com falta de força. São estes pequenos detalhes que, à partida insignificantes, me dão uma visão diferente do mundo. É de certo modo bizarro, mas sou grato por ter esta doença. Dentro de limites, claro. Com este diagnóstico entrei pelo armário e encontrei Nárnia. Um mundo diferente. Um mundo onde eu posso fazer a diferença, onde poderei ajudar o próximo. Escrevi um livro intitulado “ContraBaixo”, publicado pela Alfarroba, e cedi os meus direitos de autor para reverterem totalmente para a fundação da Associação Portuguesa de Charcot- Marie-Tooth. Criei a APCMT juntamente com uma equipa de contabilistas, advogados, professores, terapeutas e informáticos. Enfim, um exército. Com a APCMT e o meu livro surgiram oportunidades com que nunca sonhei. Fui convidado para ser orador no Patient Innovation na Universidade Católica e até no MIT em Boston.

Atenção, não sou nenhum Dalai Lama. Não estou com isto a dizer que não grito “Injustiça”. Não estou a dizer que não choro. Não estou a dizer que sentir-me preso num corpo de 60 anos não me assusta. Sou uma pessoa como todas as outras. Bem, talvez não como todas as outras.

Tenho uma família excecional, que move montanhas por mim. São autênticos Maomés. E isto é uma coisa que nem toda a gente tem a sorte de ter. Mas parece-me justo, sendo que já nasci torto, uma família desinteressada seria um saco muito pesado para transportar. Amigos igualmente importantes. Fico com um sorriso quando sei que posso dizer que não sei andar de bicicleta e a resposta que obtenho é “Seria para mim um prazer e honra ensinar-te”.

Perguntam-me às vezes, se não é difícil, não ficar triste com tudo isto. Com toda a minha sorte, como o poderia ser?

Olá, sou o Diogo, tenho quinze anos e tenho CMT.

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Diogo Lopes no "5 para a meia-noite" (veja a partir do minuto 31:28)


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