A CASA DAS MEMÓRIAS


Sala de entrada do primeiro piso. Os meus Bisavós e os meus Avós acolhem-nos à entrada.

Remodelando, modernizando, reconstruindo, recuperando metro a metro, espaço a espaço, divisão a divisão. Por vezes, parece que nada avança. Olhando em volta, entre baldes, escadotes, trinchas, martelos, berbequins, cabos que pendem inertes, julgamos viver o caos, num pesadelo da obra interminável.
O esforço, o empenho, a habilidade e competência dos que dão forma à obra revela-se aos poucos, lentamente, indiferente à minha pressa, expetativa ou ansiedade.
Em junho de 2015, tomei decisões que alteraram profundamente a minha vida e que me permitiram cumprir um sonho, tantas vezes percecionado, por mim e pelos que me são próximos, como quase impossível. Restaurar a casa que me viu nascer e crescer. A casa que foi dos meus pais, avós, bisavós, encontrando-se na família há várias gerações, tantas que lhe perdemos o rasto, no tempo e na história da família.
Em março de 2016, deu-se início à obra. Em dezembro de 2016, deram-se por praticamente concluídos os trabalhos no interior da habitação, propriamente dita. Esperando que em fevereiro ou março de 2017 se dê por finalizada toda a obra, a qual inclui o jardim e outros anexos.
Esta é uma obra de grande envergadura, numa área extensa, de uma casa e seus anexos, com algumas centenas de anos, a qual, ainda que tivesse sido objeto de várias manutenções indispensáveis, se encontrava envelhecida e necessitada de uma obra de folgo.
Tudo o que foi possível recuperar foi recuperado ou mantido, mesmo os móveis que acusam o envelhecimento e o desgaste do uso e da passagem do tempo. Não pretendi transformar a casa tornando-a moderna, mas sim recuperá-la e torná-la mais cómoda, agradável e acolhedora, recorrendo a tecnologias modernas, sem contudo alterar a sua traça e a sua alma.
Aqui e ali, podem encontrar-se móveis com falhas na madeira ou sem parte da folha que os recobre, mesas que gingam, espelhos com marcas acinzentadas. Mas, estes pequenos detalhes não maculam a estética, pelo contrário, dignificam a casa, tal como as rugas na face de uma velha senhora.
Em Agosto passado, informei a família de que o Natal seria lá em casa, recuperando a tradição perdida, após a morte de meu pai. 
O último Natal, da Casa das Memórias, tinha acontecido em 1997 e voltou a acontecer em 2016.

Natal - 1977


Natal - 2016

Hoje, 4 de janeiro, 33 anos são passados sobre o adeus a meu Pai. 
Foi em sua memória que tenho vindo a realizar este enorme esforço de recuperação da Casa. Fi-lo também por minha Mãe que, ainda que já não viva lá, regressa sempre ao seu ninho, quando as minhas estadias são mais prolongadas; Fi-lo, igualmente, pelos meus avós, bisavós, trisavós,.., dos quais me orgulho, pela sua integridade, honestidade, generosidade, coragem e sentido de justiça. E fi-lo por mim e por todas as memórias que habitam esta Casa.


Uni retalhos de memórias, tal como as famílias se unem através dos casamentos. 
A colcha da minha Avó materna adorna, agora, a parede sobre a minha cama, para sempre unida a um antigo e grande pano de linho, propriedade de meus Avós paternos, no qual se encontram bordadas as suas iniciais. As mesinhas de cabeceira, o grande roupeiro e a cómoda faziam parte da mobília do quarto das meninas, as minhas Tias paternas. Juntei ainda os apliques, restos da minha antiga loja e as grandes portas de espelhos, pedaços da minha antiga casa em Lisboa.
Porquê Casa das Memórias? Por que esta casa guarda dentro da sua alma milhares de memórias de todos os que lá viveram, trabalharam, visitaram ou permaneceram por estadias mais ou menos prolongadas.
Ela é muito mais do que uma casa. Os seus alicerces são fortes porque feitos de amor. A sua alma é nobre e acolhedora e é, estou certa, esse sentimento que guardam na memória todos os que por lá passaram.
À mesa havia sempre lugar para mais um. Amigas e Primas, minhas e da minha Irmã, permaneciam por lá, em estadias curtas ou longas, nas férias ou aos fins-de-semana.
Afilhadas ou filhas de empregados encontravam ali um lugar para viver, enquanto estudavam ou em outras situações que necessitassem.
Éramos uma família nuclear pequena, apenas meus Pais, a minha Irmã e eu, mas, no tempo da minha infância e juventude, viviam permanentemente, pelo menos, 10 pessoas na casa, entre as quais a minha Avó materna, que passou a habitar connosco após o falecimento do meu Avô. 
Em tempo de férias e aos fins-de-semana, o número aumentava para 14 ou mais. E, à hora das refeições, não era invulgar que chegasse às 17,18 ou mesmo 20.
Nos últimos anos, a Casa tem estado adormecida, despertando alegremente apenas nas férias de verão. Mas, as crianças cresceram e já passam férias noutros locais ou partiram para terras distantes. 
A Casa foi entristecendo. Os curtos fins-de-semana ou os poucos dias de férias, que ultimamente lá passava, não chegavam  para lhe dar alegria.
A Casa das Memórias é uma casa com Alma que gosta de gente, de risos, de correrias de crianças. Sem gente, definhava, entristecia.
Hoje, sorri em tons mais claros, entre o branco e creme das portas e paredes, os castanhos das madeiras nobres e os azuis, rosas e salmão com que alegrei algumas divisões.
Hoje, sorri porque a enchi de gente no Natal e no Ano Novo. 
Sinto-a forte, feliz, revigorada. Pronta a enfrentar os séculos vindouros, acolhendo no seu abraço protetor todos os que a habitem ou visitem.
Voltarei para ela, para as minhas origens, tão rapidamente quanto as circunstâncias mo permitam. Será a Casa da minha velhice, tal como foi a da minha meninice.

Comentários

  1. Teresa não imaginas como gostei de ler o que escreveste! Como te compreendo! Até eu tenho memórias bem felizes dessa casa. Continua a enchê-la de vida! Beijos

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  2. Gostei muito, ainda bem que tens força e amor para não deixares morrer estas memórias. Esta casa faz parte da história de todos os que por lá passaram, e foram muitos. beijinhos e obrigada
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