EUTANÁSIA - nem sábios, nem leigos - Uma Lei a Referendar

Não consigo deixar de ficar espantada com a leviandade, facilidade ou radicalismo com que algumas pessoas, com algum tipo de reconhecimento ou responsabilidade pública, política, religiosa, jurídica, técnica ou científica, manifestam publicamente posições, definitivas ou extremadas, acerca de algo de tão elevada complexidade como a Eutanásia.

A Eutanásia ou o Suicídio Assistido são temas inquietantes, dolorosos e melindrosos, nos quais se encontra enredada uma grande diversidade de fatores e valores, desde os éticos, os legais e os relativos aos direitos humanos, aos técnicos ou do foro da medicina, passando pelos humanitários, familiares, económicos e sociais, até aos morais, culturais, religiosos, emocionais e psicológicos ou psiquiátricos, os quais não podem, nem devem, ser abordados de forma simplista, tendenciosa, leviana ou emocional, pois o pressuposto primeiro de que partem prende-se com a dignidade e o sofrimento humano, muito mais do que com qualquer tipo de direito ou área do conhecimento.

Saudáveis, sentados confortavelmente, vemos defensores e objetores, da legalização da eutanásia, debitar as suas opiniões, desassombrada e irrefletidamente.

Uns opõem-se com base na sua fé, autoproclamando-se intérpretes da vontade de Deus. 

Outros, ateus, justificam a legalização da Eutanásia alegando que esse é um direito de qualquer ser humano, afirmando, convictos, que não há vida após a morte, nem qualquer vontade divina que devamos respeitar. 

Uns e outros tomam posições baseadas na fé. Uns têm fé de que Deus existe e outros de que Ele não existe, mas, na verdade, nenhuns deles têm provas científicas dessa existência ou não existência. Da mesma forma que não têm provas de que exista ou não exista vida após a morte.

Outros, ainda, defendem as suas posições apoiados na ciência ou na sua, muito pessoal, interpretação de legalidade ou do que são os direitos humanos, esquecendo que o tema Eutanásia é demasiado difícil, para ser analisado apenas de uma única e rígida perspetiva.

Mas, o que está em causa não é aquilo em que uns e outros acreditam, mas, sim, o que cada um de nós, cidadãos, quer que se legisle. 

O que está em causa é a dignidade da pessoa humana e não o que um conjunto de figuras públicas ou deputados pensa que é o melhor para todos nós. 

O direito à vida é um direito inalienável. Será que o direito à morte não o é igualmente? 

Uma vez que estas matérias se encontram, atualmente, em debate, no Parlamento, julgo pertinente que tomemos consciência de que qualquer Lei que possa, eventualmente, vir a ser aprovada deverá ser, obrigatoriamente, objeto de Referendo.

E, quando me refiro a Referendo, não estou a dizer que os cidadãos portugueses têm apenas que dizer se concordam ou não com a Eutanásia ou o Suicídio Assistido. O que afirmo aqui é que a própria Lei, com todos os seus Capítulos, Cláusulas e Alíneas, tem que ser referendada.

Sei que muitos se oporão a este ponto de vista, argumentado que grande parte das pessoas não tem qualificações ou capacidade para analisar e votar tal Lei.

Mas, pergunto eu, nesse caso, se não têm capacidade para votar a Lei, como é que têm capacidade para decidir se querem ou não morrer?

A decisão de morrer ou não morrer é do próprio, mas será que o próprio tem sempre condições para tomar uma tal decisão? Não me estou aqui a referir a pessoas que perderam as suas capacidades intelectuais, pois essas estarão sempre e necessariamente protegidas pela Lei, uma vez que ninguém, para além delas próprias, poderá tomar semelhante decisão e/ou requerer o pedido de Eutanásia.

Estou a falar de situações em que, por exemplo, a pessoa se encontra deprimida. Ainda que as depressões não retirem as capacidades intelectuais ao doente, as funções cerebrais encontram-se alteradas, ou seja, os mecanismos eletroquímicos do cérebro não se encontram a funcionar como deveriam, podendo levar a que estes tenham pensamentos suicidas e mórbidos.

Ora a depressão é uma doença tratável, pelo que ninguém deveria poder tomar decisões, de tal gravidade, quando se encontra deprimido.

Aparentemente, segundo algumas das informações divulgadas, o pedido de Eutanásia ou Suicídio Assistido deverá ser analisado por uma equipa de três médicos.

E eu pergunto, porquê três? Porquê apenas médicos? 

Muitas vezes, quando se sofre de uma doença grave, ouve-se a opinião de dois ou mais médicos, antes de tomar a decisão de qual será o tratamento que iremos seguir.

Acontece que o tratamento de uma doença é uma decisão de vida e os pareceres médico-científicos que temos que ouvir referem-se estritamente às características da doença, aos tratamentos adequados à mesma, às sequelas e aos efeitos secundários dos tratamentos.

Enquanto que a Eutanásia é uma decisão, definitiva, de morte e esta não se prende apenas com o tipo de doença de que  se sofre, mas também com os tipos e estados emocionais, psicológicos e psíquicos, com crenças e valores e com as situações familiares, sociais e económicas. O que quer dizer que, no meio de tantas variáveis, poderá acontecer que a decisão de morte se altere se uma ou mais destas variáveis se alterarem.

Pelo que os avaliadores desses pedidos de Eutanásia, na minha perspetiva, não deveriam ser apenas os médicos, da especialidade da doença de que sofre o paciente, mas, também, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, nos casos em que o requerente tenha dificuldades económicas ou falta de apoio de familiar, pois estes são dois fatores que podem influenciar fortemente a sua decisão.

Também um ou mais advogados, ou  outros fiscalizadores, deveriam fazer parte deste painel de avaliadores, não só como garante do cumprimento da lei, como para evitar a existência de situações de fraudes, abusos ou manipulação por parte dos familiares, do requisitante, ávidos pela herança ou desejosos de se ver livres da responsabilidade, do trabalho e do "peso" que lhes possa fazer um familiar doente ou incapacitado, já sem "qualquer préstimo ou utilidade".

Adicionalmente, existem também outras questões, técnicas, éticas ou outras, que terão que ser legisladas, como é o caso das obrigações ou direitos dos médicos, no que concerne a esta prática.
Serão os médicos obrigados a aplicar a eutanásia, caso a equipa dê um parecer favorável ao requerimento do paciente? Ou poderão invocar objeção de consciência?

A Eutanásia ou Suicídio Assistido são demasiado complexos e dolorosos para que sejam uns quantos homens e mulheres, eleitos para o Parlamento, a tomar decisões acerca da nossa vida e morte e do nosso direito a elas.

Este tema deverá ser objeto de profunda reflexão por parte de todos e cada um de nós.

Ninguém é detentor da verdade, mas todos nós temos direito à dignidade, enquanto seres humanos, e à liberdade de escolher quais os valores e leis primordiais, pelos quais nos deveremos reger e que devem vigorar no país.



Alguns Conceitos Importantes


Suicídio - é o ato intencional de se matar a si mesmo. A sua causa mais comum é um transtorno mental e/ou psicológico que pode incluir depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, alcoolismo e abuso de drogas. 

Dificuldades financeiras e/ou emocionais também desempenham um papel significativo no suicídio. 

O suicídio era considerado um ato criminoso, até há algumas décadas, na grande maioria dos países. Sendo que, nalguns deles, paradoxalmente, era punido com a pena de morte. 



Eutanásia - prática pela qual o médico abrevia a vida de um doente incurável de maneira controlada e assistida..

Suicídio Assistido - o próprio doente executa os procedimentos necessários para abreviar a vida, ainda que, para isso, disponha da ajuda de terceiros.

Paliativismo ou Cuidados Paliativos é o conjunto de práticas de assistência ao paciente incurável, através das quais se procura manter a dignidade e diminuir sofrimento, de forma tão eficaz quanto possível, dos pacientes terminais ou num estádio avançado de determinada enfermidade, ainda que a aplicação desse conjunto de práticas possa contribuir para uma morte mais rápida do paciente.

Morte Cerebral - o paciente torna-se cadáver, mas, em determinadas circunstâncias, pode ser mantido vivo, através de um complexo e dispendioso conjunto de meios de suporte de vida. O desligar das máquinas, nesta situação, não pode, portanto, para todos os efeitos, ser considerado eutanásia, uma vez que o paciente já não se encontra vivo, apenas os seus órgãos foram mantidos em funcionamento através de meios totalmente invasivos e artificiais.

Distanásia - prática pela qual se prolonga a vida de um doente incurável, através de meios artificiais, invasivos e desproporcionados. Também conhecida por "obstinação terapêutica". 

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