CONFISSÕES DE UMA SEXYGENÁRIA

5 de Agosto de 2020
Ainda com a bota para imobilizar o pé
Um dia Feliz, com família e amigos, na minha casa,  
no meu amado Alentejo

Todas as manhãs, ainda semi-acordada, vou para o trabalho conduzindo e cantarolando as músicas que passam na rádio.

Numa destas últimas ensolaradas manhãs, a música era Walking On Sunshine (Caminhando ao sol ou à luz do sol), de Katrina & The Waves, e lá ia eu acompanhando a música.

(refrão e final da letra)

Im walking on sunshine wooah

Im walking on sunshine wooah

Im walking on sunshine wooah

And dont it feel good!!

Ill say it again now

And it's time to feel good!!

...

Eu estou caminhando ao sol, woh, oh

Eu estou caminhando ao sol, woh, oh

Eu estou caminhando ao sol, woh, oh

E sinto-me bem!

Direi isso outra vez agora

E sinto-me bem

E dei por mim a pensar que, de facto, tenho, quase sempre, caminhado ao sol, mesmo quando vou de carro.

Na verdade, sinto-me bem, nos temidos 60.

Acho que me sinto melhor do que alguma vez me senti na vida.

Sem peneiras, nem falsas modéstias, sou uma ótima e interessante companhia, até costumo dizer ao meu marido "Eu, se fosse homem, casava comigo"

Sinto-me ou escolhi ser como um bom vinho tinto, velho, de reserva. Um vinho tranquilo, intenso, aveludado e encorpado, nobre, de casta, com aroma, de complexa estrutura final, envelhecido em cascos de carvalho.

Só um bom apreciador sabe degustar um bom vinho, para os outros serve qualquer zurrapa ou vinho a martelo.

Um bom vinho não se bebe num copo qualquer, de vidro grosseiro. Um bom vinho tem que ser decantado e precisa respirar.

Junte-se-lhe um bom queijo da Serra ou Alentejano, um presunto pata negra e é um must.

Pode beber-se um vinho enquanto se faz o jantar, a acompanhar uma refeição em família ou com amigos, em dias festivos , basicamente, em qualquer lugar, desde que seja acolhedor.

Mas, também sou cerveja, bem fresquinha e loira, borbulhante e espumosa, acompanhada de gambas, ameijoas ou marisco amarelo ou ainda para fazer escorregar uma bela pizza.

E sou água cristalina, do rio, com enérgicos rápidos, ou gélida como a do rio Homem, onde sofremos o choque do frio, num dia de calor, mas que nos faz sentir vivas, do lago, quieta e pacifica, ou do mar, em eterna agitação, ou em dias de marés vivas ou ainda um tsunami.

Posso ser infiltração, por que a água encontra sempre um caminho, ou da chuva, porque fertiliza a terra e purifica o ar.

Sou todos os estados da água, só nunca serei água morna, que detesto.

Sou também árvore, porque as árvores são Natureza e morrem de pé. E eu quero morrer de pé, como as árvores, digna e vertical.

Nas últimas décadas, amadureci, concretizei sonhos e objetivos, e no último ano tratei de mim, preparando-me para me tornar sexygenária, coisa que aconteceu no último agosto.

Livrei-me da vesícula, cujas pedras me davam dores excruciantes. Dum pólipo numa corda vocal que me enrouqueceu a voz e me impedia de cantar.

Restaurei a cremalheira, que é como quem diz, os dentes. Amealhei para substituir a desagradável prótese por implantes.

Desfiz-me de um implicativo sinal nas costas que embirrava a toda a hora com o soutien.

E fui brindada com um ligamento partido que ainda me faz coxear, tal qual a coxinha do Tide. Mas é um coxear com um je ne sais quoi que me dá um certo charme.

Viver é uma dádiva, as contrariedades, os desgostos, as perdas, os incómodos, o envelhecimento, tudo isso existe, e tudo isso estamos cá para enfrentar, tratar, resolver, e voltarmo-nos a erguer.

Mas viver é muito mais do que isso.

A beleza é muito mais do que uma cara laroca. Quanta beleza existe, por vezes, numa cara enrugada, porque o essencial é invisível para os olhos.

E a sensualidade é muito mais do que corpos magros, elegantes, sem peso a mais, estrias ou flacidez.

A sensualidade é um estado de espírito, quer seja acompanhada de um intenso vinho velho, de uma louca/loira cerveja, ou de água cristalina.

Por isso valorizo gente quente, colorida, fiável e confiável, integra, direta, positiva, com sentido de humor e gargalhada fácil.

Caminhar ao sol, vamos lá