OS DESASTRES DA TERESA

 PARTE I

NO MONTE


Desde que me lembro, sou meio distraída e, por vezes, mesmo desastrada.

Foco-me nas pessoas, para além do que os olhos alcançam, nos lugares ou paisagens pelas sensações que emanam, nas conversas, para além de tudo o que é dito.

Não sou tão observadora nas coisas corriqueiras, do dia-a-dia, nas marcas ou nomes sonantes ou no último grito da moda. Passo, apressada, pelo superficial, talvez porque a minha, cansativa, mente corre sempre veloz em busca de algo novo.

Essa minha faceta já me tem dado alguns dissabores, metido em situações caricatas ou provocado pequenos desastres.

Na minha infância, a maior parte dos verões e férias eram passadas no monte (propriedade agrícola, de variadas dimensões, com uma ou mais casas de habitação).
Na minha infância e juventude era sempre casa cheia, particularmente nas férias.

Naquele ano não foi exceção e, como de costume, as minhas primas e uma amiga foram passar as férias comigo.

Era sempre uma paródia. Dormíamos as quatro no mesmo quarto e era risota até às tantas. Durante o dia, passeávamos pelo campo, a pé ou de charrete, puxada por uma burra e conduzida por mim, desde tenra idade. Subíamos às árvores, liamos, jogávamos às cartas e inventávamos todo o tipo de brincadeiras.

Era uma vida feita de liberdade, com muito pouco controlo por parte dos adultos, pois, desde bem cedo, naqueles tempos, aprendíamos a ser responsáveis.

Nesse dia, teria eu para aí 9 anos, tinha tomado banho logo pela manhã e vestira roupa lavada, calças/jardineiras de cotim, uma espécie de antecessoras das calças de ganga, e uma camisola (t-shirt de algodão) de manga curta, ainda perfumadas pelo sabão azul e branco.

Estávamos paradas perto da nitreira (depósito para onde convergem os líquidos (e não só) provenientes de estábulos), junto ao curral das ovelhas, onde se localizava também o palheiro e um pequeno estábulo, onde era guardada a burra e um bezerro (vitelo), já grande, do quinteiro.

O quinteiro foi buscar o bezerro para o seu passeio diário ao ar livre, mas o animal quando se viu na rua saltou de contente, em liberdade, num aparente descontrolo.

Nós quatro assustamo-nos, achando que ele poderia vir para cima de nós com a maluquice, e eu fui a primeira entrar na nitreira que, a princípio, parecia estar sólida o suficiente, para andarmos em cima dela. A minha prima seguiu-me, mas estacou subitamente quando me viu começar a afundar. Desapareci quase até ao pescoço. Tinha sido impossível travar quando me senti a afundar.

A custo, lá assentei os pés em algo firme e consegui sair, escorrendo dejetos de ovelha e libertando um cheiro nauseabundo.

E lá fui em direção a casa, com a Cristina na minha frente, de todas ela era a que tinha um ar mais angelical, de quem não parte um prato, com aquele ar seráfico, quase adulto.

A Cristina entrou em casa, encontrou de imediato a minha Avó e disse-lhe, num tom de tragédia,:
  • Ai, Prima Irene, que grande desgraça aconteceu à Teresa!!!
A minha Avó sobressaltou-se e eu, que tinha ficado à porta, entrei logo para que ela não se assustasse.

Quando a minha Avó me viu, escorrendo aquela pestilência fétida, não conteve o riso, quer pela minha triste figura, quer pelo alívio que sentiu por não me ter acontecido uma verdadeira desgraça.

E pronto, lá fui para o segundo banho do dia, que tomávamos com um daqueles baldes com chuveiro, pois, nessa altura, só tínhamos água canalizada, do depósito, para a sanita, lavatório e bidé, e, claro, vestir outra roupa lavada.

Monte Branco


 PARTE I I

SAPATOS & SANDÁLIAS

Pois é, as distrações fazem parte do meu “charme” pessoal. Desta feita, relacionam-se com sapatos e sandálias.

Sandálias

Na primeira parte, falei-vos das quatro inseparáveis, que passavam férias no monte. Eu, as primas e uma grande amiga,

Como não podia deixar de ser, fomos crescendo e, para nossa grande tristeza, o monte, de seu nome Monte Branco, foi expropriado pelo Estado, para servir uma obra megalómana que, afinal, se ficou apenas pela metade. Mas isso são outras histórias que nada têm de divertido.

Na nossa adolescência e juventude continuámos unha com carne e a passar as férias juntas, agora, na minha casa da vila, hoje, cidade. Na verdade, pouco mudou.

Dormíamos, as quatro, no quarto do fundo, conversávamos e ríamo-nos até às tantas da noite, passeávamos e divertíamo-nos em liberdade.

A única verdadeira grande mudança era que estávamos mais crescidas, de tal forma tão mais crescidas que chegou o dia em que a mais velha de nós se ia casar.

Aperaltadas, como convinha para o grande evento, lá fomos para o casamento e para a festa.

Já depois de almoço, fomos sentar-nos, a conversar, no pequeno muro que circundava o edifício, onde se realizou o copo de água. Eu, as primas, umas amigas e, claro, o Zé Manel.

Conhecemos o Zé Manel “de Lisboa”, forma como nos referíamos a ele, a princípio, no início da nossa adolescência. Adotámo-lo imediatamente. Rapaz de poucas conversas, mas dotado de um grande sentido de humor, tornou-se o nosso grande amigo, companheiro de aventuras, indispensável nas nossas vidas.

Pois bem, estávamos nós em amena cavaqueira, quando, a certa altura, eu digo:

  • Tenho uma dor nos pés que não posso.

O Zé Manel, que estava sentado no lado oposto ao meu, olha para os meus pés com um ar observador que rapidamente deu lugar a uma expressão de incredulidade, e exclama:

  • Pudera, não lhe hão de doer os pés. Ela tem as sandálias calçadas ao contrário!!!

Escusado será dizer que, ato contínuo, todos os olhos se viraram na direção dos meus pés e, obviamente, foi uma gargalhada geral.

Juro que, por mais que pense, não faço ideia como fiz tal coisa. Observando uma das fotos desse dia, julgo verificar que tinha as sandálias calçadas como deve ser.

Ora observem lá vocês para verem se tenho ou não razão. Eu sou a que está à esquerda da noiva, de mão no ar, como quem vai botar discurso ou dar umas instruções.

Só me ocorre que, devido à falta de hábito de andar em cima daquelas andas, me tenha descalçado, à socapa, durante o almoço e quando voltei a calçar-me troquei os pés, ou melhor, as sandálias.

Já não pode uma jovem sentir-se bela, num evento tão memorável.

Anos mais tarde, de férias no Algarve, fui com o meu, então, marido passear pela rua das lojas, em Portimão. Parei a olhar a montra de uma sapataria e achei que aquelas sandálias eram mesmo a minha cara.

Entrei na loja e pedi à funcionária para me trazer um par no meu número. Quando experimentei as ditas cujas, fiquei horrorizada. O meu dedão apontava para um lado e o bico frontal da sandália apontava para o lado oposto.

Chamei a funcionária e disse-lhe:

  • Passa-se qualquer coisa de estranho com estas sandálias. São tortas.

Resposta imediata e ríspida da funcionária:

  • As sandálias não são tortas. A senhora é que tem os pés tortos.

Eu olhei para o meu marido, incrédula e extremamente divertida, descalcei-me e dirigi-me à porta com enorme dignidade, a qual se esfumou imediatamente, porque me escangalhei a rir assim que sai da loja.

Aquela era sem dúvida merecedora de ganhar o prémio de Funcionária do Ano.

Até hoje, não sei se as sandálias eram tortas, se eram os meus pés ou se, mais uma vez, calcei as malditas ao contrário.


Sapatos

Mais uns bons anos se passaram. Naquele dia, tinha uma reunião de negócios importantíssima. Poderia vir a ser a resposta às minhas preces, para me salvar da complicada situação em que me encontrava.

Saí de casa à pressa, ansiosa, com uma esperança vaga, mas persistente, no coração e borboletas no estômago.

Parei na área de serviço (gasolineira), para tomar um café, mas, quando voltei para o carro, olhei para os pés. Qual não é o meu espanto quando vejo que tinha calçado um sapato azul e outro castanho.

Olhei para o relógio. Seria que dava tempo de voltar a casa? Seria melhor ir mesmo assim, para não chegar atrasada? Afinal, quem é que iria olhar para os meus pés?

Acabei por voltar a casa para trocar de sapatos, cheguei a horas e o negócio foi um sucesso.

Foi mesmo o início de uma nova etapa da minha vida. Repleta de percalços, desafios, sucessos, fracassos e distrações, mas, seguramente uma nova etapa, onde pude dar uso, e bem, a tudo o que aprendi no fracasso inicial.


Não, os desastres da Teresa não ficam por aqui. Há mais, muito mais.

A terceira parte está para breve...

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