Breve história do Mundo, de uma Europa adormecida, de um urso ferido e de um humorista resistente


No ano da Graça do Senhor de 2022, reinavam no mundo, semiadormecido de valores e princípios,  um capitalismo agressivo, desenfreado e desumanizado, extremismos e fanatismos perigosos e/ou bacocos, o culto do ego, do politicamente correto, dos anti-qualquer coisa ou anti-tudo, e, também, pitorescas lutas contra as desigualdades, embandeiradas por Quotas e Pronomes,  para além da fome, miséria, doença e guerras fratricidas, "distantes", alimentadas por poderosos interesses económicos e aproveitadas pelos pseudo-defensores dos mais fracos.


Eis se não quando, da frieza e dureza das estepes e da tundra, se ergueu um Urso, arquétipo do autoritarismo e imperialismo, que, arrastando e pisando os súbditos, invadiu terra alheia, para alargar o seu, já vasto, território e impor-se como grande soberano de Todas as Rússias

A Europa (e o Mundo) despertou, sobressaltada. Entorpecida, do seu longo sono, espreguiçou-se, abrindo, pouco a pouco, os olhos, ainda enevoados de sono, exclamando, escandalizada, "Estamos em 2022, no Velho Mundo os países não invadem países".

Preguiçosa, fez umas admoestações e já se preparava para virar para outro lado, para continuar o seu longo sono de beleza, quando um estrondo maior a fez resmungar, "não façam barulho, é inverno, estou aqui tão confortável e quentinha. Ainda agora, saímos da crise e da pandemia e já me estão a querer  incomodar outra vez".  

Quentinha, a palavra começou a martelar-lhe na cabeça. Despertou completamente. Abriu desmesuradamente os olhos. Era preciso fazer qualquer coisa. Mas o quê?

Tentando desembaraçar-se dos lençóis e édredon, há muito, enrodilhados, pôs-se em pé. Olhou em volta e percebeu que era difícil caminhar. Demasiados obstáculos, demasiadas prisões, demasiadas consequências, demasiado medo.  

Foi então que o humorista, Presidente, da terra invadida, falou, numa voz  que ecoou pelo Mundo,  de honra, dignidade, independência, coragem, fraternidade.

Agora, completamente despertos, a Europa e o Mundo, perceberam que tinham que fazer qualquer coisa. Aquelas palavras evocaram memórias, há muito, esquecidas.

Mas, é claro, desde logo, deram-se cisões. Aparentemente, é um tema fraturante, adjetivo de uso obrigatório, nos últimos tempos, por todos os intelectuais, políticos ou comunicadores.

Assim, temos os que admiram o Urso e tudo o que representa, mas que querem a paz, escrita em minúsculas; os que querem testar a total capacidade beligerante  do Urso, mas querem a paz, escrita em grandes letras de sangue; e os que querem ou redescobriram que querem a dignidade, a independência, a soberania, a justiça, a integridade, a democracia e querem a paz, sim, mas não uma paz podre, nem uma paz a qualquer preço. Querem uma paz digna

Dessa, por tantos ansiada, redescoberta de valores nasceu a coragem para erguer a voz, traçar estratégias e planos, apoiar o país invadido e os refugiados, numa série de ações oficiais ou particulares, muitas delas voluntárias e anónimas, numa verdadeira união, há muito não vista.

Enquanto isso, o Urso, que pensara conseguir marcar o almejado território, com uma vitória rápida e sem interferências, ludibria o seu povo, com devaneios de grandeza e fantasias de fascismos e nazimos, manda os seus filhos ao engano, para a morte e para o massacre do povo irmão, ao mesmo tempo que  simula querer negociações, mas, simultaneamente,  ameaça, exige,  pisa, mata e destrói, alimentado por um desespero de animal ferido.

O Urso governa um povo esculpido pela dureza do frio, pela natureza agreste, pela tirania dos czares e dos bolcheviques. Julga saber, mas não sabe, o que verdadeiramente significa viver em liberdade e democracia.

A sua autoestima, enquanto pessoas, não existe ou antes é projetada nos grandes feitos desportivos, nos extraordinários cientistas, escritores e variados artistas, na monumentalidade da sua arquitetura e da sua própria dimensão, enquanto país. 

Grande parte desse povo não tem acesso a outra informação que não seja a que este Urso, e os muitos outros ditadores que lhe antecederam, lhes permite ter, da forma que bem entende e distorcida à medida do que lhe convém.

Na verdade, este povo, marcado por provações, dificuldades, injustiças e tirania, acredita que o seu Urso está a defendê-los e ao povo irmão  de nazis ou fascistas, a maioria não tem qualquer ideia de que o que está a acontecer é o massacre do povo seu irmão.

O Urso quer a paz em 15 exigências que são, na verdade, uma  rendição incondicional. O Presidente, que foi humorista, quer a paz, mas, também, a dignidade, a independência, a democracia para o seu país e para o seu povo. 

Não parece poder vir a existir conciliação possível.

E os outros? Bem, há muitos e variados interesses em jogo para os decisores. Para muitos pode haver perdas expressivas e de diversa índole mas, para a humanidade, no geral:

  • Uns, hipocritamente, falam das outras guerra fratricidas, tentando compará-las a esta invasão, e escudam-se em desculpas esfarrapadas, de que a Europa, a Nato e os EUA são os verdadeiros culpados, pois foram espicaçar o Urso enquanto hibernava. E, para não apoiar os refugiados, evocam a má vontade para com  refugiados que fogem de crises económicas  e preferem o Ocidente, ao invés de outros países mais ricos, com crenças e costumes idênticos aos seus;
  • Outros, irresponsáveis, parecem estar revoltados pelo facto de a III Guerra Mundial, desta feita, provavelmente, uma guerra nuclear, altamente destrutiva e letal,  não ter começado ontem, sem medir consequências, como se sofressem qualquer tipo de alucinação;
  • Outros, ainda, manifestam uma indiferença chocante, própria de quem apenas se interessa pelo seu pequeno mundo, por egoísmo, pela pouca idade ou experiência de vida, ou simplesmente porque se recusam a encarar uma realidade demasiado desagradável e incómoda;
  • Quanto aos restantes, tenho esperança que seja a maioria, procuram uma luz, um milagre, um caminho, uma estratégia para aplacar ou derrotar o Urso e devolver a paz, a independência e a liberdade, não a dignidade, porque essa nunca a perderam ou irão perder, à Ucrânia.

Não podemos permitir um novo Holodomor - Fome-Terror - Grande Fome 

Noventa anos atrás, milhões de ucranianos morreram em uma grande fome durante o regime soviético de Joseph Stalin.

O Holodomor, ou Fome-Terror, ou mesmo Grande Fome, foi uma crise generalizada de fome que atingiu a Ucrânia durante o regime comunista soviético liderado desde 1922 por Joseph Stalin (1878-1953).

O nome vem das palavras em ucraniano "holod" (fome) e "mor" (praga ou morte).

Alguns historiadores, como Timothy Snyder, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, que fez uma extensa pesquisa na Ucrânia, estimam o número de mortos em cerca de 3,3 milhões. Outros dizem que o número foi muito maior.

Qualquer que seja o número real, é um trauma que deixou uma ferida profunda e duradoura nessa nação de 44 milhões de habitantes.

Aldeias inteiras foram dizimadas e, em algumas regiões, a taxa de mortalidade chegou a 30%. O campo ucraniano, lar da "terra negra", algumas das terras mais férteis do mundo, foi reduzido a um deserto silencioso.

Cidades e estradas ficaram repletas de cadáveres daqueles que deixaram suas aldeias em busca de comida, mas morreram ao longo da jornada. Houve relatos generalizados de canibalismo.

Em 2013, a ucraniana Nina Karpenko, então como 87 anos, contou, em entrevista à BBC, como conseguiu sobreviver.

"Um pouco de fubá barato, palha de trigo, folhas secas de urtiga e outras ervas daninhas" — essa era a essência da vida durante o terrível inverno e o início da primavera de 1932-33 na Ucrânia.

Quando as aulas recomeçaram no outono seguinte, dois terços das carteiras estavam vazias, segundo Karpenko. Seus colegas de classe haviam morrido.

Mas a dor do Holodomor não vem apenas do número de mortos. Muitas pessoas acreditam que suas causas foram intencionais e decorrentes da ação humana.

E, segundo elas, o homem por trás disso tinha nome e sobrenome: o então líder soviético, Joseph Stalin.

Em outras palavras: um genocídio.

Elas alegam que Stalin queria submeter o campesinato ucraniano rebelde à fome e forçá-lo a integrar suas propriedades em fazendas de exploração coletiva.

A coletivização daria ao Estado soviético controle direto sobre os ricos recursos agrícolas da Ucrânia e lhe permitiria controlar o fornecimento de grãos para exportação. As exportações de grãos seriam, então, usadas para financiar a transformação da URSS em uma potência industrial.

A maioria dos ucranianos rurais, que eram agricultores independentes de pequena escala ou de subsistência, resistiu à coletivização. Eles foram forçados a entregar suas terras, gado e ferramentas agrícolas, e trabalhar em fazendas coletivas do governo ("kolhosps").

Houve milhares de protestos, que foram reprimidos pela polícia secreta soviética (GPU) e o Exército Vermelho. Dezenas de milhares de agricultores foram presos por participar de atividades antissoviéticas, fuzilados ou deportados para campos de trabalho forçado.

Além da repressão em massa, o Kremlin passou a requisitar mais grãos do que os agricultores podiam fornecer. Quando resistiram, brigadas de ativistas do Partido Comunista varreram as aldeias e levaram tudo o que era comestível.

"As brigadas levaram todo o trigo, cevada — tudo — então não sobrou nada", disse Karpenko. "Até mesmo feijões que as pessoas tinham reservado para uma eventualidade".

"As pessoas não tinham nada a fazer a não ser morrer."

Ao passo que a fome aumentava, as autoridades soviéticas tomaram medidas extras, como fechar as fronteiras da Ucrânia, e os camponeses se viram impedidos de viajar para o exterior onde poderiam obter comida.

Isso significou uma sentença de morte, dizem especialistas.

"O governo fez todo o possível para impedir que os camponeses entrassem em outras regiões e buscassem pão", afirmou à BBC Oleksandra Monetova, do Museu Memorial Holodomor de Kiev.

"As intenções das autoridades eram claras. Para mim é um genocídio. Não tenho dúvidas."

Mas para outros, a questão ainda está em aberto.

Fonte: BBC


MUSEU HOLODOMOR


Esta é uma guerra entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a democracia e a ditadura, a humanidade e a tirania  e, ainda que eu creia na vitória do bem sobre o mal, temo o sofrimento, perdas, destruição  e morosidade até que a mesma se dê, mas, seguramente, não baixaremos os braços.

Obrigada, Ucrânia, por fazeres o mundo e a Europa acordar para o que é realmente importante e unir-se por uma causa comum. Que o sangue dos teus filhos não escorra em vão e que todos nós sejamos dignos da vossa luta pela dignidade humana.

Slava Ukraini


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